quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Alô, Chics

Li ontem todo o Alô, Chics que a minha querida sogra ganhou de Natal de seu irmão. Como fã de livros de etiqueta e civilidade, gosto que credito à queridíssima Célia Ribeiro, foi uma leitura de grande prazer.

Concordo com quase tudo, discordo de umas coisas* e aprendi uma grande regra de bom convívio que passarei a adotar doravante: só se pede emprestado aquilo que pode ser reposto caso estrague.

* A Gloria acha que homens sobem e descem escadas sempre à frente das senhoras, para impedir visões das pernas e da calcinha. Eu continuo fiel à vertente que prega homens descendo à frente, mas subindo atrás, para o caso de ter que servir de apoio se a senhora sofrer uma eventual queda.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Já tou indo...

Parece que o mundo todo está se decompondo. As ruas estão tensas, um inferno. Vejo pela janela cenas descritíveis, ainda que inverossímeis, então não valem a pena o trabalho. Imaginem, só imaginem, porque a imaginação é que liberta.

Bom Natal a todos, seja lá como isso for.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Inland Empire

Vamos começar por aí: não gosto da tradução que deram para Inland Empire no Brasil. Toco no assunto não por apego ao título original. Não é manha. Mas é que simplesmente não se tratam de sonhos, e sim do inconsciente, essa terra de dentro de nós, esse continente pouco explorado.

Ou não é esse o tema do trajeto de Nikki Grace -- e, de quebra, de tudo que eu vi do David Lynch? Porque posso estar louco, mas vejo lá claramente uma viagem destemida ao Império do Inconsciente, um mundo onde o Cabo das Tormentas não tem muitas chances de virar Cabo da Boa Esperança.

Nikki Grace descobre, enquanto faz seu filme, que o tempo-espaço é uma ilusão: o futuro não traz nada de novo, e sim uma soma do que ela foi com o que ela é. O que vem por aí nada mais é do que nós mesmos, do jeito que fomos forjados.

Ela se assusta com a idéia. É difícil lidar com essa epifania negra, pouco libertadora, que vai contra os ideais ocidentais a respeito do que é ser um homem. Não sobra muito espaço para liberdade, e a igualdade e a fraternidade viram balelas de um tempo em que se sufocou o indivíduo em nome de algum bem maior, seja ele qual for.

Por isso que os recursos técnicos de Lynch são tão marcantes desta vez: a câmera digital não grava contrastes e, mesmo nesse mergulho de cabeça (na cabeça), sobram muitas áreas de sombra. Como no filme em si. Mas é melhor fruir e deixar fluir do que tentar explicar.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Desculpa, mas não dá

Andam dizendo por aí que dá pra ser ecológico sem ser chato. Até deve dar. Depende do que o sujeito acha que é chato.

Geralmente, o ecochato é um cara que muda a própria vida. Que faz algo simples, mas que os outros não fariam, como fechar a torneira ao se ensaboar no banho. Bobo, quase estúpido, mas muita gente não fecha a torneira.

Ou então o cara separa o lixo. Coisa que muita gente não faz, que coisa!

Aí esse sujeito, mesmo sem abrir a boca, fica lá. Sua própria existência é uma prova inconteste de que a gente não tá nem aí pro planeta. As suas ações simples denunciam a nossa preguiça. Cada gesto dele equivale a uma inação nossa e, portanto, à nossa contribuição diária pro aquecimento global.

Fato é que não dá pra mudar o mundo mantendo os mesmos hábitos e vivendo numa vida cômoda. Tem que desligar o ar condicionado do carro também nos dias quentes, e não só quando está agradável. Tem que pagar um pouco mais por uma embalagem de vidro e por um tomate orgânico da região. Tem que ir a pé até a esquina. Tem que ir ao trabalho de ônibus e metrô.

E, a propósito, tem que ligar na prefeitura e dizer que o sistema de transporte tá uma merda.

Não adianta não mudar os hábitos. Nem dizer que é mais legal andar de táxi, passar calor ou fechar a torneira. Porque não é. É chato, sim. Mas tem que fazer.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

When I'm 64

Vem cá, só eu pensei que daria pra clonar o John Lennon com um troço desses?

O antropófago de Bial

De tudo,
E contudo,
Porque é assim que se começa um poema ruim.

Na real,
Canibal
Emiliano é antropófago de Bial

Modernistas,
Basquetistas,
Com a bola que Bial bele

Belê
Demodê
O jogo é imaterial

De tudo,
Retundo,
A luz tomou seu lugar.


O poema ruim acima é meu. Fiz pra concorrer no concurso criado pelo Emiliano a partir de uma foto inspiradora do Pedro Bial.

Não cobiço os prêmios, apenas a glória.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Twin Peaks: Gold Box, os dois livros e o convite de Lynch

Vi alucinadamente neste ano em DVDs alugados de Twin Peaks. Foi um troço fascinante e perturbador, ainda mais porque dias depois acabei numa pequena cidadezinha do interior muito, mas muito parecida com Twin Peaks -- tanto que, ainda no aeroporto, cruzei com um homem sem braço!

Em seguida, comprei o livro da Laura Palmer, que ainda está em catálogo, provavelmente com poucos exemplares remanescentes à disposição de uma edição da época em que a série passou na Globo. O livro, que estou lendo, é doentio.

O do Dale Cooper foi ainda mais difícil -- recorri à Estante Virtual, que congrega sebos do Brasil inteiro. Sorry, só tinha um, que já foi.

Aí, um dia, fazendo umas pesquisas a respeito da série, achei um site que falava da nova edição da série, uma caixa única com tratamento superespecial que ia sair nos Estados Unidos em novembro.

Saiu.

E saiu aqui também.

Desde ontem, por conta do seu aniversário, a Jeanne é a feliz proprietária de uma Twin Peaks Gold Box Edition. Mas eu vou filar uns episódios. Tem todos os episódios, comentários, o Saturday Night Life especial Agent Cooper e o escambau. Só não tem o longa, mas ouvi falar que ele está na fila pra sair.

Outro dia, repensando tudo isso num café, me dei conta de que David Lynch fala do inconsciente em seus filmes. E que Twin Peaks é o convite de entrada global e coletivo, feito na TV aberta da era da proto-internet. O tempo todo, a série sussura em seu ouvido: "não seja como Laura, não tema seu inconsciente, deixe-se levar por ele, aceite-o, BOB só machuca quem não o vê como monstro".

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Arroz grátis

Viciante e virtuoso, o Free Rice é um site em que você doa um punhado de arroz a pessoas pobres cada vez que acerta o significado de uma palavra. Em inglês, sim.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O Segredo de Jimmy Cliff

A verdade verdadeira é que o tal de O Segredo, esse troço que tá na moda, nada mais é que um filme baseado numa música do Jimmy Cliff:

You Can Get It If You Really Want
Jimmy Cliff

You can get it if you really want
You can get it if you really want
You can get it if you really want
But you must try, try and try
Try and try, you'll succeed at last

Persecution you must bear
Win or lose you've got to get your share
Got your mind set on a dream
You can get it, though harder them seem now

(refrão)
I know it, listen

Rome was not built in a day
Opposition will come your way
But the hotter the battle you see
It's the sweeter the victory, now

(refrão 2x)

You can get it if you really want - I know it
You can get it if you really want - though I show it
You can get it if you really want
- so don't give up now

*

Por conta do documentário Midnight Movies (que integra o Festival Jodorowsky no CCBB), acabamos vendo o The Harder They Come hoje à noite -- nosso DVD tinha um título em português, Balada Sangrenta. Filme simples e sincero, às vezes um pouco tosco como a sinceridade acaba sendo. Tem um pé no naïf, concordo. Mas, como todo bom naïf, de inocente não tem nada.

A conexão entre filme e música é bem simples: o filme é protagonizado e tem trilha de Jimmy Cliff. Ao passar nas sessões da meia-noite nos Estados Unidos, acabou fazendo a fama do regueiro nos Estados Unidos e, por tabela, no resto do mundo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Louca por Homem

Já faz quase um mês que li Louca por Homem, novo livro da Claudia Tajes. E foi uma leitura, confesso, bem de sopetão.

Eu tinha encomendado na pré-venda, mas o livro só ia chegar uns dias depois, quando eu já teria deixado São Paulo. Na véspera da partida, fui à livraria comprar livros para um amigo que mora em Londres e queria ler em português. Lá estava o varal de cuecas contra o céu de brigadeiro que ilustra a capa. Comprei e levei. Li no avião, antes ainda de desembarcar em Paris.

Comprei porque a Claudinha também é conhecida do presenteado. Mas seus livros são de uma leitura gostosa e divertida, porém levemente maldosa, bem como bons presentes têm que ser.

(E aqui eu abro parênteses pra colaborar com o jovem Theo: o Natal taí, galera, tem amigo secreto, prima do interior, tem editor de jornal que precisa fechar a página de dicas de presente lendo...)

(De nada.)

Graça, a protagonista, é feia, coitada. Nada a ver com aquela feiúra Dove; ela é feia pra valer. Mas gosta de homens que, por sua condição estética, não são grande coisa mesmo.

Olhando assim, até parece pueril, e não sei se quem não conhece a Claudia pode imaginar o quanto isso pode virar uma trama doentia nas mãos dela. Por isso que sempre acho bom lembrar de outro livro dela, que é um pouco mais explícito ao desvendar a mente de sua autora: Vida Dura é sobre um durango que se torna doador de sêmen para inseminações artificiais.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Ubu

Vocês conheciam o Ubu e não me disseram nada ou é uma novidade pra todos nós? Fato é que o Carlão Reichenbach recomendou o site ontem: tem filmes surrealistas aos montes pra baixar.

Tem do Fluxus. Do John Cage (incluindo 4'33"), do William Burroughs. Tem O Cão Andaluz! E até o Yves Klein (deus me segure pra eu não usar três exclamações).

A Montanha Sagrada e a arte

A Montanha Sagrada é de uma beleza ímpar e, até agora, meu filme favorito do Jodorowsky. Não vi Santa Sangre, mas muita gente que já viu tudo anda dizendo nos entornos do festival que é isso mesmo: A Montanha Sagrada é o melhor.

Não duvido.

Ele é um filme monumentalmente lindo mesmo quando é grotesco. Tem uma grandiosidade estética do começo ao fim. Enquanto diretor, Jodorowsky é um baita pintor.

Queria poder mostrar aqui uma cena em que um exército de sapos representando europeus invade e destrói uma maquete de cidade maia ocupada por camaleões, tudo isso dentro de um circo de rua.

A Montanha Sagrada é um filme redentor, mesmo nessa cena que antecede toda e qualquer idéia de salvação. Jodorowsky grita suas simbologias a todo volume, mas a real é que o tempo todo cochicha no seu ouvido: só a arte salva.

Festival Jodorowsky

Ontem passei a tarde e um bocado da noite no Centro Cultural Banco do Brasil, assistindo à programação do Festival Jodorowsky. Daqui a pouco me toco pra lá de novo -- quero ver ao menos O Ladrão de Arco-Íris, que é o filme mais comercial dele.

Jodorowsky é um desses autores supercultuados por pouquíssima gente e completamente ignorado pela multidão. Transita com certa desenvoltura por diversas áreas.

Na literatura, faz poemas e romances -- o único que saiu no Brasil é o excelente Quando Teresa Brigou com Deus.
Nos quadrinhos, fez a série Incal e seus derivados (Antes do Incal 2 ganha sessão de autógrafos na quarta). Um de seus trabalhos mais recentes é a excepcional Bórgia, com desenhos de Mil Manara.

Jodorowsky também é ocultista. Restaurou o Tarot de Marselha, por exemplo.

Também foi fundador do Teatro Pânico, com Fernando Arrabal.

Seu cinema, foco maior dessa mostra do CCBB, é uma junção de tudo isso, de certa forma. Se suas obras espalhadas ajudam a construir um mundo jodorowskiano, o cinema é a concretização mais completa disso: ele atua, compõe, escreve e dirige. Mas, mais que isso, impõe o seu ritmo. Não acompanhar Jodorowsky e perder-se no Incal, por exemplo, é natural. Mas a HQ permite a releitura imediata e fragmentada. O cinema e sua necessidade de um fluxo narrativo contínuo me parece mais próximo da forma como o artista de fato se comunica.

Bem, vou lá. Só não chamo vocês porque não precisa: as sessões de ontem estavam absolutamente lotadas. ;)

sábado, 1 de dezembro de 2007

A Shakespeare and Company original

Em Paris, fui à Shakespeare and Company, uma livraria de língua inglesa muito interessante, ancorada de fato um projeto cultural consistente (e essa história fica pra próxima). Também é um prédio muito visitado por turistas, como logo se percebe.

O nome presta reverência à Shakespeare and Company original, criação de Sylvia Beach na Paris do entre-guerras no século passado, lotada de intelectuais. Sylvia sacou que a cidade fervilhava de leitores de inglês, mas que não havia como encontrar livros na língua de Shakespeare com facilidade. Acabou montando uma livraria que também alugava livros e servia de pólo cultural para os felizes exilados.

A jogada toda de Sylvia soa como um tapa na cara pra acordar a gente, que vive na era da Amazon, em que qualquer conhecimento impresso chega em nossas casas em pouquíssimo tempo e no menor custo que a história da civilização registra até hoje. Mas foi isso que ela fez: uma proto-Amazon na Rive Gauche, e ainda com o filtro pessoal dela e de seus amigos próximos.

Sylvia fez mais: foi a editora de Ulisses, de seu amigo James Joyce, quando ninguém queria ter esse pepino censurado nas mãos.

E é ela quem conta a própria história em Shakespeare and Company, livro que saiu em português um tempo atrás pela Casa da Palavra. É uma viagem no tempo em companhia de uma senhora distinta e elegante, que tem um papo delicioso e elegantemente sarcástico.