terça-feira, 26 de julho de 2011

“Cinco anos hoje, obrigado pela companhia”

Esta foto tem sido meu gelado pano de fundo no Twitter. Me deixa, eu curto.


Hoje faz cinco anos que eu entrei no Twitter. Data redonda. Jornalistas aprendem a gostar dessas coisas. Meu primeiro impulso é típico de alguém que não gosta de comemorar aniversário: dar uma de blasé e resumir tudo em um único tuíte. Algo como “Cinco anos hoje, obrigado pela companhia”. Mas não vou fazer isso. Porque comecei a fuçar, a lembrar de algumas coisas, a encontrar fragmentos perdidos no Gmail. Acabei achando que valeria a pena escrever essa história. É um tema que uma ou outra pessoa vem pedindo pra eu falar sobre. E, mesmo que pouca gente vá se interessar em ler tudo isto, organizar esses cinco anos é algo que eu estava devendo pra mim mesmo.

A primeira ideia que eu queria derrubar é a de que há algum tipo de pioneirismo em eu ter entrado no Twitter nos primórdios. Na época, eu tinha mania de entrar em qualquer rede social que aparecia pela frente, sem nenhum critério. Eu, como todo mundo, tinha tentado entrar no Facebook quando ele era fechado só para estudantes (não deu). Até hoje minha caixa de spam paga por isso, e provavelmente a de alguns amigos também (então aproveito para, constrangido, pedir desculpas).

Há exatos cinco anos, eu estava lendo a Wired sem compromisso e vi uma materinha que falava sobre o Twitter. Fiz o cadastro e entrei. Sem mistério algum. Nessa época, a Wired já fazia parte da minha vida fazia uma década. Nos anos 90, eu tinha até mesmo editado artigos da Wired em português quando era estagiário da revista de economia Amanhã, que comprara os direitos. Portanto, só reforça: não era nada fora do comum ler a Wired. Era o que todo mundo fazia, e faz até hoje.

Ok, o Twitter me chamou atenção por um conjunto de detalhes: era baseado em SMS e celular, um tema que na época eu considerava importantíssimo – e nisso, ao menos, eu estava certo, mas quem não apostava em celulares em 2006? Como todo mundo, eu tinha lido um pouco antes o Smart Mobs, do Howard Rheingold, e estava absolutamente estimulado pelas possibilidades da mobilidade. Na minha cabeça, o Twitter poderia ser o meu tão sonhado MoSoSo (desculpa pelo link, se eu explicar tudo só acabo amanhã) entre várias operadoras de celular – papel que acabou com Foursquare.

Quando entrei, fiquei tão entusiasmado que, na mesma noite, mandei esse e-mail aqui pra Giu Tatini, que na época estava começando a cuidar de uma recém criada editoria de Comunidades na Capricho. Pouco tempo depois, a editoria se mostrou uma aposta certeira e bem sucedida da Brenda Fucuta, mas suspeito que tenha sido não só pela inovação, mas também pelo clima altamente estimulante da equipe, que contagiava até quem, como eu, era chamado pra trocar ideias. Reparem no horário, mas também em como eu descrevi o Twitter:

From Eduardo Nasi

To Giuliana Tatini

Date 27 July 2006 01:05

Subject: twttr

Já viu isso?

twttr.com, mezzo blog, mezzo site de relacionamento q funciona online mas tb é abastecido por sms. o mais legal é q aceita torpedos do brasil, sim. não sei se vai pegar, mas se vc ajudar, ajuda. :)

beijoooooooooooooo

e.

Eduardo Nasi

MSN Spaces - spaces.msn.com/eduardonasi/


(Percebam também que, na época, como todo mundo, eu também era entusiasmado com o Messenger da Microsoft, e naquela época migrei meu blog pro Spaces.)

Deixa eu explicar o tal twttr.com. O Twitter era tão próximo do mundo dos celulares que tentava emplacar a abreviação TWTTR – na onda do RAZR, do ROKR, do PEBL (pra mim, até hoje o celular mais bonito que eu já tive). Não colou e logo mudaram, mas foi essa sigla que ficou na agenda do meu celular com um número para o qual eu deveria mandar um SMS para postar no Twitter. Isso porque, na época, você não precisava usar o site. Bastava mandar torpedos. Na prática, você recebia os SMSs de quem você seguia. Tudo SMS internacional (e, no começo, minha operadora não distinguia, ou seja, tava no plano, uma belezura). Era absolutamente simples e delicioso. Na prática, o TWTTR funcionava como um hub de torpedos, e em 2006, primórdios da internet móvel por aqui, os torpedos ainda eram absolutamente sexy e, ao mesmo tempo, já tinham se tornado muito baratos.

Aí as coisas começaram a mudar: a operadora começou a cobrar mais caro, o próprio Twitter cortou o envio de SMS internacional e tudo foi mudando. Aliás: o Twitter que eu considerara revolucionário tinha mudado tanto que não era mais o meu Twitter. Qualquer pretensão de pioneirismo que eu pudesse ter acabou nessa época.

O serviço não se popularizou no país a tempo de criar um senso de comunidade, de pertencimento. Ou seja: não tinha quase ninguém lá, e quem estava não postava com muita frequência ou não era muito próximo de mim. Daquela época, lembro da Flavia Durante, do Hector Lima e de um japonês que foi meu primeiro seguidor, persistente por muitos anos, mas depois de um tempo sumiu. Não tinha celebridades nem Follow Friday.

Além disso, não havia mecanismos eficientes de conversa. Lembro vagamente de receber um e-mail do Biz Stone anunciando funções básicas como o de responder e o de hashtags, e mais vagamente ainda de outro dizendo que algumas pessoas haviam criado o RT.

A essas alturas, sem muitos seguidos e seguidores pra compartilhar, passei a tuitar apenas esporadicamente. Foram dois anos assim, olhando de longe, escrevendo raramente, acompanhando os amigos que iam descobrindo a ferramenta.

Até que cheguei à Campus Party de 2009. Ali eu senti que o Twitter havia amadurecido, e que merecia uma nova atenção, que foi o que fiz: entrei na minha conta no EEEPC e comecei a tuitar. Encontrei um Twitter bem diferente, baseado em site e aplicativos. E já com algumas celebridades. Não era um @aplusk, mas eu sou mais o @stephenfry mesmo. O serviço de SMS tinha sido escanteado – imagine como seria hoje receber um torpedo pra cada atualização da timeline e ficará fácil de entender por que a mudança foi fundamental pro crescimento. Mas os campuseiros estavam animadíssimos, tuitando sem parar. E aí sim: a rede estava pronta pra interferir na cultura global.

Twitter retomado, tinha chegado a hora de pôr em prática a ferramenta.

A experiência mais empolgante nessa época foi com o perfil do site de quadrinhos Universo HQ. O Sidney Gusman, editor do site, havia criado o perfil e usava com relativo sucesso na época para tuitar as notícias logo pela manhã. Era uma forma evidente e fácil de ampliar o número de leitores. Numa entrega de prêmio HQ Mix, experimentei pela primeira vez o livestream, eu com o EEEPC plugado num canto do palco e o Sidão com um celular na plateia. Na prática, ninguém sabia direito quem estava fazendo o quê. O perfil ali começou a ganhar duas coisas que viraram uma marca do @universohq: uma personalidade e um ar de mistério. Uns dias depois, assumi a tarefa de fazer o perfil por uma temporada. Foi um barato para experimentar. Acho que minha maior contribuição ali foi a de dar uma personalidade pro perfil, que na minha cabeça sempre foi uma versão nerd do Puck de Sonhos de uma noite de verão, o que naturalmente teve uma leve mudança quando outros colegas assumiram o papel. O @universohq passou a interagir mais com leitores, a atazanar editoras, a divulgar autores. Esse personagem ficou tão dissociado de mim que, enquanto a diretoria de uma editora brigava comigo por fazer matérias que supostamente comprometiam as vendas de um de seus títulos mais caros, o perfil – ou seja, eu – estimulava os leitores a encontrarem o preço mais baixo do título no varejo, retuitando os resultados e incrementando as vendas do álbum. Eu que não ia abrir a boca.

Depois de uns meses, totalmente sem tempo, tive que abrir mão do @universohq, mas fico feliz que os sucessores tenham não só mantido o anonimato, mas também ampliado a mitologia. Além do mais, as coberturas pelo Twitter do HQ Mix se tornaram uma tradição.

Mas a história que até hoje me surpreende quando eu penso nela é a do meu querido amigo Carpinejar. O Fabro hoje tem mais de 100 mil seguidores, mas não queria entrar no Twitter de jeito nenhum. Na época, ele já tinha o hábito de escrever palavras com cabelos na parte de trás da cabeça, mas seu barbeiro ainda não tinha pegado o jeito. Foi escrever PERIGO. Saiu PFRIGO. A Cinthya, sua namorada, decifrou: PFRIGO quer dizer Poeta Frigo, um pseudônimo. Daí criamos, eu e ela, o @pfrigo. Com foto do Fabro. Adicionamos os amigos dele. Começamos a tuitar frases aleatórias tiradas de seus textos. Tudo a contragosto do Fabro, mas com uma saída: enviamos login e senha para o e-mail dele. Se quisesse, poderia assumir o perfil quando quisesse, e continuar dali. Em poucos dias, @pfrigo tinha se transformado em @Carpinejar. Mais uns meses, tinha se tornado livro, personalidade e tudo o mais.

Enquanto essas coisas rolavam em perfis paralelos, o Twitter ia mudando aos poucos a minha vida. O melhor, sem demagogia, juro, foi a troca com leitores e seguidos. Tive um privilégio por estas bandas: pouca incomodação, muita gente legal, inteligente, divertida. Por causa dessas pessoas, li livros, assisti a filmes, ouvi músicas, fui a shows, a peças de teatro, li sobre o mundo, conheci gente bacana... De verdade: aprendi muito, amadureci um pouco, e agradeço a #todososenvolvidos por isso. :)

Os leitores deste blog talvez digam que nem tudo foi exatamente positivo. Já tivemos fases bastante ativas no passado, mas o espaço acabou largado às moscas, mesmo que eu me culpe constantemente por não escrever mais aqui. Mesmo assim, tenho a impressão de que a concisão compulsória do Twitter tenha me tornado mais zeloso pelo texto: por exemplo, estou demorando demais pra escrever este post. Ou talvez tenha feito eu perder o hábito de escrever textos longos, o que é pior. Vai que os leitores preferem mesmo que eu seja menos prolixo.

Curioso que até pelo jantar de hoje eu devo ao Twitter. A tapioca só foi possível porque reencontrei no Twitter uma velha amiga, e ela me deu a massa de mandioca de presente.

Como eu ia dizendo lá no começo, antes de fazer um tratado tão longo que garantiria zero de leitura até o final, jornalistas gostam de datas redondas. Quando eu vivia disso, o motivo era simples: era uma chance de escrever sobre algo que eu gostava ou sentia que devia, mas não caberia na pauta de outra forma. Se fosse festa, eu não estaria comendo tapioca velha que achei na geladeira. Mas faz cinco anos hoje, e eu queria mesmo agradecer pela companhia.

Obrigado, pessoal.

domingo, 3 de julho de 2011

Amar é crime


Li entre a madrugada e a manhã de hoje o Amar é crime, novo livro do Marcelino Freire.

Tudo muito rápido. Tava no computador, falando sobre Kindle com um amigo no Skype. Mencionamos o livro do Marcelino justamente por isso: editado por uma editora pequena brasileira, está lá no catálogo da Amazon. É um dos poucos títulos em português por lá neste momento em que a maioria das editoras daqui insistem no famigerado sistema de DRM da Adobe, blá blá, blá. Tem o Marcelino (e outros títulos da simpática Edith), uns clássicos, o Paulo Coelho, títulos de selos da Ediouro como o 1822 do Laurentino Gomes e a biografia do Lobão, uns desconhecidos, não vai muito além disso.

O papo com o amigo ia se encerrando, e eu decidi que ia ler o livro do Marcelino logo depois. Entrei no site, tirei da WishList e, antes de desligar o Skype, Amar é crime já estava esperando por mim na mesa de cabeceira. Maravilha.

Comecei a ler pela introdução de Ivan Marques. Veio o susto. Por algum motivo, há uns hífens perdidos no meio de palavras. Tem um "res-gatar", um "per-dida", um "agres-siva", por aí vai. Cheguei a pensar que não ia rolar. Tipo uma goiaba vistosa e cheirosa por fora, mas toda bichada por dentro.

Nada disso. Acabei a introdução, o problema sumiu. Está só no texto do Ivan Marques mesmo, e creio que a editora possa corrigir nas próximas semanas. ****ATUALIZAÇÃO IMPORTANTE: Nos comentários, o Marcelo Barbão diz que o problema já foi resolvido, e que o livro consertado deve estar na Amazon nos próximos dias. Não é ótimo?

Ufa. Bora seguir leitura.

O tema do livro não chega a ser simples: a amor. Todo mundo já escreveu sobre o amor. Existem sebos inteiros tomados de livros de Barbara Cartland, de Júlias, Sabrinas e Biancas sobre o amor. E todos os poetas. E todos os outros livros, filmes, peças, músicas...

Só que, aos poucos, fui me dando conta de como o Marcelino estava tratando o tema. Não era um amor qualquer, e sim o amor de hoje. Totalmente contemporâneo.

Uma hora é uma menina abusada pelo avô, noutra é um padre que se envolve com um garoto, a moça bonita que pega o velho rico, o primeiro casal gay que adotou uma criança no Brasil. Tudo isso que a gente vê por aí vira assunto.

O amor, portanto, não é só romântico. Daí que é crime: porque é violento, porque ameaça, causa briga, sufoca, mata, abusa, cansa, exaure.

Aí não tem nada de novo, claro. Ao falar do livro no Twitter, enquanto escrevia este texto, recebi uma mensagem de Josefina Neves Mello falando que tudo isso está na Odisseia. Está mesmo. Édipo mata o pai pra comer a mãe. Está no Nelson Rodrigues também. Nos russos, claro. Em muitos lugares, sempre que alguém resolve escancarar que essa coisa de relacionamento não é essa moleza toda que as comédias românticas do cinema tentam pintar por aí.

No Libertinagem, Manuel Bandeira publicou seu Poema tirado de uma notícia de jornal.
Pois bem: em Amar é crime, Marcelino fez seus contos tirados do Facebook, do Twitter, do G1.

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Falar de Manuel Bandeira a uma hora dessas? Pois é:

Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu
Cantou

Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado

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Atualização em 4 de julho - O próprio Marcelino acabou comentando este comentário por ver nele a primeira crítica literária totalmente digital. Só deve ser se considerar Kindle, problemas de formatação, que o livro de papel saiu depois etc. Vale mesmo pra salientar o ineditismo da Edith, enfim uma editora que não aposta só no modelo da Adobe, que é bem mais chatinho de usar...