Foi só eu atravessar a porta da livraria que o sistema de segurança apitou. Nem deu tempo de pensar “Fui eu?” que a segurança, uma moça, já veio:
– Podemos ir até a seção de atendimento ao cliente?
– Hã? – eu ainda estava tonto, tentando entender que estava sendo acusado de furto por um sistema magnético.
– Podemos ir até a seção de atendimento ao cliente? É que apitou...
Saco. Um saco. Eu tinha que ir até o atendimento ao cliente? Jura?
Pra pontuar: já era noite, estava frio, eu tinha trabalhado o dia todo, eu estava com sinusite, eu estava cheio de problemas, eu tinha acabado de gastar uma grana razoável na livraria e eu sou um bom freguês da livraria há anos (mesmo que eu tivesse roubado um livro forrado a ouro, provavelmente a rede ainda estaria lucrando com a nossa agora corrompida relação).
– Eu tenho mesmo que ir até o atendimento ao cliente?
– Não, só se o senhor quiser.
– Então eu não preciso? Isso não vai atrapalhar você?
– O senhor só vai se o senhor quiser.
Eu não estava a fim de ir mesmo. Me desculpei com a moça, só por gentileza mesmo. E fui embora.
De cara, achei bem razoável a saída. Gentil. Sei lá.
Só que logo me dei conta de que não tem como consertar um grito de pega-ladrão, mesmo quando ele é velado em forma de sistema de segurança eletrônico. Saí me sentindo mal. Porque o sistema é constrangedor. Porque é cruelmente invasivo. Porque eu não quero abrir minha mochila e ter minhas coisas revistadas.
E, afinal de contas, porque é um sistema traíra. Eu vou nessa mesma livraria três ou quatro vezes por mês, pelo menos, desde que a loja abriu. (Cheguei a ser mayor no Foursquare, se bem me lembro.) Em outras lojas da rede, vou umas dez vezes por mês. E isso, com essa frequência, há uns oito anos. Mas acho que minha primeira compra lá já tem pelo menos quinze anos.
É estatisticamente óbvio: com uma frequência tão alta, o sistema ia falhar alguma vez. Porque uma hora uma atendente não ia desmagnetizar direito. Ou outra etiqueta magnética ia interferir no sistema. Ou ia dar um bug qualquer mesmo.
Só pra comprovar que o sistema falha: uma vez, nesta mesma loja, minha mochila apitou quando eu estava ENTRANDO na loja. Um segurança foi ao meu encontro pra avisar que eu não me preocupasse, que ele já tinha avisado a central e que eu não sofreria nenhum tipo de constrangimento. Como se o apito já não fosse constrangedor o suficiente.
Não quero discutir soluções estapafúrdias (não me ocorre nenhuma justa, e livrarias devem evitar furtos de livros). Nem me fazer de vítima (não fui levado para uma sala e espancado, atitude que até recentemente era comum de se ver nos jornais).
Afinal, não é bom pra ninguém. Eu perco a paciência. A livraria perde por encher o saco do cliente – que sai falando do assunto por aí, em blog, no Twitter, ou que se irrita e não volta mais pra comprar lá. Provavelmente a livraria também ganha por evitar que alguns livros sejam roubados. E eu ganho pagando um pouco menos por um livro, porque a livraria não tem que arcar com custos de furtos nem de manter as lojas cheias de vigias e olheiros (bastam umas câmeras discretas, mais agradáveis que fiscais em cima do seu ombro).
Às vezes, parece que é porque a gente tem um blog que tem que dar solução pra tudo. Não é verdade. Tem dias em que o que resta é ficar perplexo com o fato de que o sistema magnético disse que eu sou ladrão.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
sábado, 14 de agosto de 2010
Uns DVDs que vi
Conversas noturnas - Lançamento da Biscoito Fino, é um documentário sobre a pianista argentina Martha Argerich. Quem já a viu tocar sabe que Martha é uma figuraça, que ela deixa o público com uma vontade louca de saber o que passa em sua cabeça. No filme, o diretor Georges Gachot consegue ser muito revelador a respeito de Martha, mas de uma forma sutil e muito elegante. O resultado não é uma caricatura. Pelo contrário: é de uma riqueza admirável.
O amor - Uma nora muito generosa tem que esconder de sua sogra, uma velhinha moribunda, que o marido está preso. Mais um filme de que eu nunca tinha ouvido falar, que era inédito por aqui em qualquer formato, mas que vi por conta do selo da Lume Filmes. Não tem erro: nunca vi um filme ruim lançado pela Lume.
Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia - Só pra confirmar o que eu tava falando: também da Lume. Até onde sei, é o único filme em que Sam Peckinpah fez o corte final, sem sofrer interferências do estúdio.
Por uma vida melhor - É um Sam Mendes (Beleza americana, Foi apenas um sonho) menor, e acabou saindo direto em DVD, sem passar pelo circuito. É o tipo de coisa que acontece, mas não faz muito sentido: um Sam Mendes menor está longe de ser ruim. Em vez de passar como um filme mediano nos cinemas, acabou se tornando um dos mais interessantes dos filmes direto para DVD do ano até agora.
Neblina e sombras - Outro filme menor na filmografia do diretor. Mas não chega a ser desprezível por isso. Até porque, como se sabe, um Woody Allen menor é melhor que quase tudo. Melhor até do que dizem sobre ele por aí. É que esse é um dos filmes mais achincalhados do diretor, dizem que é pesado e chato, que Allen perdeu a mão em sua homenagem ao expressionismo alemão. Mas agora que saiu em DVD, como parte de uma caixa com outros "filmes menores", revi e me dei conta de que Neblina e sombras tem o seu charme, o seu humor. Não é encantador e envolvente como Whatever works. Mas é bacana.
Coração louco - Se estou falando de filmes muito esquisitos pra você, arrisque este Coração Louco, história de um cantor country decadente chamado Bad Blake - um Jeff Bridges que atua loucamente e ganha Oscar por isso. Com Maggie Gyllenhaal, que é sempre uma satisfação de ver.
Capitalismo - Uma história de amor - Eu gosto de como o Michael Moore conta suas histórias. Para ser bem claro: gosto de como ele constrói a narrativa para nos envolver na sua cruzada para salvar o mundo. Eu não gosto da forma como ele pega a realidade e distorce de uma forma bizarra, para fazer jus à trama que quer contar. Esse é o problema desse novo documentário do cara - que também saiu direto em DVD. Mesmo que eu simpatize com algumas das ideias de Moore, não simpatizo em nada com a distorção. Moore não é burro. Ele sabe que está manipulando, e isso é irritante: se ele está fazendo isso conscientemente, e eu acho que está, Moore é um picareta. Mas, de novo, gosto da forma como ele monta suas histórias. E é isso, e não uma suposta verdade, que me interessa na sua obra.
Vida e arte de Georgia O'Keeffe - Veja bem: esta é uma recomendação muito específica. Porque o filme não é nada demais. E porque Georgia O'Keeffe não é uma artista que me interessa - não consigo entrar naquele mundo feminino leve e delicado dela. Nem consigo ver a agressividade contida que alguns espectadores veem em seu trabalho. Mas tem quem goste, e muita gente gosta. No ano passado, a mostra de suas abstrações no Whitney Museum foi um baita sucesso. E consta que esse telefilme deu um empurrão pra mostra. Então o meu interesse no DVD foi justamente esse: sou um espectador de artes visuais muito insistente e queria tentar entender mais uma vez o que motiva as pessoas a gostarem tanto de Georgia O'Keeffe. No filme, encontrei uma Joan Allen fazendo uma Georgia O'Keeffe chata e um Jeromy Irons matando a pau como o fotógrafo, galerista, jet set, amante e marido Alfred Stieglitz. Mas nenhum dos dois conseguiu me convencer ainda. Talvez você consiga. Aí me ajude aí nos comentários. Boa sorte.
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