terça-feira, 23 de novembro de 2010

Tim Burton no MoMA


Hoje faz um ano que visitei o MoMA e vi a exposição do Tim Burton - aquela que chegaram a anunciar que vinha pro Brasil, mas depois desapareceu do mapa. Procurando umas fotos, achei essa matéria que escrevi pra revista Movie. Resolvi republicar aqui.

Se bem me lembro (provavelmente me lembro mal), o André Forastieri decidiu me pedir uma colaboração poucos dias antes de eu embarcar pra Nova York, e acabamos achando que era uma boa ideia. Por conta dos prazos de fechamento, acabei escrevendo a matéria no aeroporto, num teclado minúsculo de um EEE PC. Por isso, acabei dando uns tapas nessa versão aqui, que deve ser diferente dos tapas que a Maria Beatriz deu na versão que s
aiu na Movie # 5.


Parecia shopping em véspera de Natal – dez pessoas por metro quadrado, empurra-empurra pra caminhar e um calor dos infernos. Só que não era shopping, e sim a exposição dos trabalhos de Tim Burton no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. Tem gente por todo lado. Mal dava pra ver as obras – que vão desde desenhos feitos para um concurso dos bombeiros de sua cidade-natal até uma escultura com movimentos robóticos do personagem Robot Boy.


A mostra, que inaugurou no fim de novembro e fica em cartaz até abril, é uma das mais populares do ano. Por lá, as filas constantes e o movimento forte marcaram as primeiras semanas da exposição (Nota: na época, eu não sabia que isso era fichinha. Semanas depois, amigos passaram mais de uma semana na cidade e não conseguiram comprar ingressos). No resto do mundo, a imprensa repercutiu os desenhos do criador de filmes como Peixe Grande, Edward Mãos de Tesoura e da nova versão de Alice no País das Maravilhas.


A filmografia de Burton por si só já justificaria toda essa atração que a exposição vem provocando. O diretor é um dos mais cultuados das últimas décadas. Suas criações saíram do mundo do cinema e passaram a ocupar uma posição de destaque na cultura pop. Por exemplo: Jack Skellington, de O Estranho Mundo de Jack, virou figura onipresente na cultura emo. Até hoje há bonecos de Edward Mãos de Tesoura nas lojas de brinquedos mais sofisticadas.


Mas a real é que a exposição cria um marco. Há um Tim Burton pré-MoMA: um diretor de cinema que faz filmes visualmente impressionantes e que havia lançado um livro de poemas. E há um Tim Burton pós-MoMA: um artista completo, que expressa sua visão de mundo gótica e lúdica em filmes, mas também em outros meios.


O Burton pós-MoMA é aquele que, num dos textos da exposição, se define não como um roterista, mas como um produtor de imagens – que podem se manifestar em qualquer meio.


Faz desenhos simples em guardanapos, mas também concepções visuais elaboradas com giz e aquarela. Faz esculturas que se mexem e encomenda outras para ajudar a pensar em filmes. Para consumo próprio, produziu uma série de fotografias em polaróide, que rendeu uma sala do museu dedicada apenas a elas, com a esposa, Helena Bohan-Carter e pedaços de bonecos de Jack Skellington. Escreve e ilustra poemas. Faz pinturas de seus personagens. Desenha muito. E também, claro, faz seus filmes.


Esse novo Burton, aliás, é um artista obsessivo – desenha muito, cria cada detalhe de seus filmes. E isso reflete na mostra: depois da seleção da curadoria, ficaram mais de 700 peças espalhadas pelo espaço. Entre elas, está a série Surviving Burbank, em que estão os desenhos feitos pelo Burton adolescente, leitor da revista Mad, morador de um subúrbio norte-americano. E os esboços para projetos nunca realizados, como o longa-metragem de Superman. E o clipe de Bones, da banda The Killers. E um estudo de animação em 3D para o personagem Stainless Boy. E máscara de Batman, capacete do Planeta dos Macacos, esboços de Alice...


Boa parte dessa produção visual também acaba de ser compilada em The Art of Tim Burton, um luxuoso livro de arte com quase 500 páginas (vendido apenas no site da editora). Não é um catálogo da exposição: vários trabalhos expostos no MoMA não constam do livro e vice-versa.

Na introdução, curta, Burton explica: toda a sua arte era pra ajudar a criar seus filmes ou apenas para ele mesmo. Nunca tinha pensado em torná-la pública – e só aceitou porque amigos e colaboradores davam sempre a mesma ideia: que tinha que mostrar.


Tinha mesmo: o Burton pós-MoMA não é um artista diferente. Mas é um artista melhor, mais completo, mais complexo e mais fascinante.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Barbeiro de Sevilha

O Barbeiro de Sevilha (The Barber of Seville), by Rossini. Stage concept and direction: Pier Francesco Maestrini; graphic concept and animation: Joshua Held

Ontem, vi a última apresentação da ópera O Barbeiro de Sevilha em São Paulo. E, por acaso, uma das últimas do ano: depois de passar por várias cidades em um semestre, estão programados apenas mais um fim de semana em Ribeirão Preto e uns dias no Rio. E aí acabou.

O Barbeiro de Sevilha, no caso, é a primeira montagem da Cia. Brasileira de Ópera, montada pelo maestro John Neschling depois que ele foi demitido da Osesp. Muita coisa foi escrita tanto sobre a demissão da orquestra quanto sobre a criação da companhia. Não preciso repetir tudo aqui. Mas, de tudo que vi, uma ideia ficou, e nela eu queria pedir licença para insistir: Neschling declarou que não tinha interesse em assumir uma outra orquestra porque o Brasil não precisaria de uma outra Osesp; preferia fazer algo novo, que não existia por estas bandas.

Passam-se uns meses, mas não muitos, ainda mais no tempo que se pensa que é necessário para montar uma companhia, e não só um espetáculo - a mim, parece que é um esforço que exige um bom tempo. Aí a montagem estreia. Primeiro em Belo Horizonte, depois itinerando pelo Brasil, até chegar na apresentação de ontem.

Comprei ingresso com medo.

Fui com medo.

E não me torrem a paciência com meus medos, não temo sem motivos: já vi algumas montagens razoáveis no Brasil, mas também já vi algumas coisas medonhas, de sentar nas primeiras filas e mesmo assim a voz da cantora não chegar até mim. Mesmo um diletante como eu, um flâneur desse mundo, percebe que tem algo muito errado nessas horas.

O Barbeiro de Sevilha (The Barber of Seville), by Rossini. Stage concept and direction: Pier Francesco Maestrini; graphic concept and animation: Joshua Held

Só que o Barbeiro me encantou. Saí com a sensação de que tinha algo de muito especial nascendo ali. E essa é a ideia que eu queria que ficasse pra vocês de tudo que falo neste post.

Como sou absolutamente leigo em música erudita (aliás, em quase tudo), não vou tomar o tempo de ninguém com uma crítica impressionista sobre a música que não vai levar a lugar nenhum.

Mas é evidente que Neschling e sua companhia fizeram um esforço monumental para fazer uma ópera explicitamente acessível e generosa. Partiram de uma peça bem popular. Até o Pica-Pau já cantou esse Rossini, pô:



Aí vem a opção de usar um desenho animado como cenário, o que torna a montagem fácil de transportar e, portanto, itinerar - porque não há uma Sevilha inteira de compensado, apenas uma tela e um projetor. E a escolha de usar esse desenho animado não só como um recurso de cenário, mas também pra dar o tom da linguagem.

O elenco interage com a animação o tempo todo. Usa roupas coloridas, perucas, tem uma atuação que lembra as criaturas de Hanna-Barbera - o Barbeiro definitivamente está mais para a dupla que para Disney. Ficou um barato: o clima sisudo se quebra em minutos e as pessoas riem o tempo todo, aplaudem, se divertem mesmo.

Ok, admito que em alguns momentos - mas só alguns - fiquei com a impressão de que o humor fica escrachado demais e para de funcionar. Aposto que é meu lado ranzinza se manifestando, porque o público não parou de rir. Eu nunca gostei de Chaves, né?

Não vi as récitas infantis, apresentadas à tarde, encurtadas para 50 minutos de duração (versus as quase três horas do espetáculo regular), mas aposto que foram fabulosas e que as crianças amaram.

O fato é que a Cia. Brasileira de Ópera chegou num Barbeiro fácil de se gostar. Facílimo. Tão fácil que imaginei apresentações relâmpago de árias em parques, em prédios, em shoppings, em centros comunitários, em qualquer lugar. Popular mesmo, sem ser precário nem primário nem vulgar, mas que é generoso com seu público, que é convidativo. E que é fresco e novidadeiro num mundo que parece empoeirado pra quem está longe.

Se a ideia de Neschling é mesmo ter uma companhia de ópera permanente no Brasil, me parece um começo cheio de boas escolhas.

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O Barbeiro de Sevilha (The Barber of Seville), by Rossini. Stage concept and direction: Pier Francesco Maestrini; graphic concept and animation: Joshua Held

Pra mim, é fato que a Cia. encerra esta primeira temporada com bastantes méritos. Mas também com uma lista de tarefas para cumprir para as próximas temporadas. E, note, são tarefas que ela não pode cumprir sozinha.

1. Não sei como foi nas outras cidades, mas, em São Paulo, havia dois elencos se revezando nas apresentações, sem contar o elenco das récitas infantis. Num o Bartolo é o Pepes do Valle; noutro, o Sávio Sperandio, dentre outras diferenças. Não sei qual o melhor elenco, nem se há um melhor. Não sei se vi o espetáculo com o elenco certo. Mas tenho uma amiga que sabe. O problema é que eu não soube que havia dois elencos até chegar no Teatro Alfa e olhar o programa. Não soube disso no site da companhia, nem no site extra-oficial, nem no site de vendas de ingresso. Se isso saiu em algum jornal, passou batido por mim. Não pude perguntar pra minha amiga. Em tempo: a imprensa bem que poderia se empenhar em indicar qual o melhor elenco, se houver um.

2. Mesmo em cima do laço, comprei um lugar ótimo na quarta fileira, bem central. Mas o programa não trazia o libreto nem mesmo um resuminho da ópera. Isso porque havia a legendagem - e, como ocorre no teatro às vezes, a legenda fica lá no alto. Só que isso eu só soube disso ao entrar no teatro. O meu até então ótimo lugar virou uma fábrica de torcicolo. A sorte é que a sessão não estava lotada, e eu consegui me acomodar em um lugar algumas fileiras mais para trás. Divulgar esse tipo de informação é um serviço utilíssimo. Se a companhia não faz isso para não se melindrar com os teatros, os jornais, as revistas e os sites poderiam fazer.

3. Não vi em nenhum lugar a informação de que havia um intervalo na apresentação de 150 minutos. Havia. Também é um serviço importante.

E digo tudo isso porque tenho certeza de que há muita gente como eu, que está começando a ir a óperas agora, e porque nitidamente a Cia. tem olhos voltados para atrair esse público e um outro, que nunca na vida foi a uma ópera. Metade do público de ontem tinha menos de 40 anos - ou seja, é bem mais jovem do que qualquer ópera a que tenha ido na vida, mesmo as do Metropolitan transmitidas nos cinemas.

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O Barbeiro de Sevilha (The Barber of Seville), by Rossini. Stage concept and direction: Pier Francesco Maestrini; graphic concept and animation: Joshua Held

Claro, tudo isso passa por uma questão central: se a gente acha que é realmente importante o Brasil ter uma companhia permanente de ópera e uma cultura de ópera. Porque de nada adianta fazer tudo isso se não for relevante.

Pra falar a verdade, do alto da minha capacidade de pensar bobagens sobre assuntos que desconheço por completo, eu tinha sérias dúvidas a respeito dessa necessidade. Ópera é um troço caríssimo de produzir, de manter, de preparar elenco, e que é fácil de deixar tosco. Pra mim, em um curto prazo, não valeria a pena fazer tudo isso só pra atrair quem vai pros Estados Unidos e pra Europa pra ver montagens de fôlego e ficar falando mal dos similares nacionais. Talvez fosse melhor usar essa grana em um plano de fomento pra jovens e velhos talentos, bolsas, iniciativas menores e pontuais, preparando o terreno.

Posso estar enganado. Provavelmente é cedo pra dizer o que vai acontecer. Mas o fato é que o Barbeiro me pegou. Neschling parece ter encontrado um caminho que põe essa visão de investir num milagre a longo prazo em xeque. Me deixou curioso pra ver no que vai dar. E eu gosto disso. Que venha a temporada 2011.

(Fotos deste post extraídas do Flickr de Joshua Held, responsável pela concepção gráfica e pela animação do Barbeiro.)