Não acho que ninguém precisa de mais uma versão em português para Um supermercado na Califórnia, de Allen Ginsberg. Há uma do Cláudio Willer, que, se a memória não falha, está no Uivo, Kaddish e outros poemas, da L&PM. Há outra, do Rodrigo Garcia Lopes. Achei uma também uma tradução aparentemente portuguesa, muito copiada por aí, sempre sem crédito. Há outras.
Mas tava mexendo com esse poema e, no processo de estudá-lo, acabei fazendo a minha própria. Ei-la:
Um supermercado na Califórnia
O quanto que pensei em você esta noite, Walt Whitman, enquanto
eu caminhava calçada debaixo das árvores com uma dor de cabeça
olhando conscientemente para a lua cheia.
Na minha faminta exaustão, comprando imagens, eu fui
a um supermercado de frutas de cores berrantes, sonhando com suas enumerações!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras
comprando à noite! Corredores cheios de maridos! Esposas nos
abacates, bebês nos tomates! - e você, Garcia Lorca, o que
você está fazendo junto às melancias?
Eu te vi, Walt Whitman, sem crianças, velho fuxiqueiro recluso,
fuçando nas carnes do freezer e encarando os garotos do
hortifruti.
Ouvi você perguntando a eles: Quem matou as
costeletas? Por quanto saem as bananas? Você é meu Anjo?
Perambulei de um lado pra outro nas pilhas brilhantes de latas
seguindo você, e sendo seguido na minha imaginação pelo segurança
da loja.
Percorremos juntos os corredores largos em nossa
charmosa e solitária degustação de alcachofras, pegando cada acepipe
congelado, e nunca passando no caixa.
Aonde estamos indo, Walt Whitman? As portas se fecham em
uma horas. Qual caminho a sua barba aponta nesta noite?
(Eu toco no seu livro e sonho com uma odisseia num
supermercado e me sinto absurdo.)
Vamos caminhar a noite toda por ruas solitárias? As
árvores juntam sombra com sombra, luzes saem das casas, vamos os dois estar
sozinhos.
Vamos andar sonhando com a América do amor perdida
passar por carros azuis nas avenidas, retornando para nossa cabana silenciosa?
Ah, querido pai, barba grisalha, velho e recluso professor de coragem,
que América era a sua quando Caronte parou de navegar sua balsa e
você foi para uma margem com névoas e ficou olhando o barco
desaparecer nas margens negras do Lete?
Berkeley, 1955
A seguir, a versão original:
A Supermarket in California
What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for
I walked down the sidestreets under the trees with a headache
self-conscious looking at the full moon.
In my hungry fatigue, and shopping for images, I went
into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!
What peaches and what penumbras! Whole families
shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the
avocados, babies in the tomatoes!--and you, Garcia Lorca, what
were you doing down by the watermelons?
I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber,
poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery
boys.
I heard you asking questions of each: Who killed the
pork chops? What price bananas? Are you my Angel?
I wandered in and out of the brilliant stacks of cans
following you, and followed in my imagination by the store
detective.
We strode down the open corridors together in our
solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen
delicacy, and never passing the cashier.
Where are we going, Walt Whitman? The doors close in
an hour. Which way does your beard point tonight?
(I touch your book and dream of our odyssey in the
supermarket and feel absurd.)
Will we walk all night through solitary streets? The
trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be
lonely.
Will we stroll dreaming of the lost America of love
past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?
Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher,
what America did you have when Charon quit poling his ferry and
you got out on a smoking bank and stood watching the boat
disappear on the black waters of Lethe?
Berkeley, 1955