quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Thomas Demand e o artista que não se reinventa todo dia



"The standard, canonized approach would have been to invent art each day anew - to change these things every day whenever the rule became visible. But for me, this also meant that if I could do everything, I could choose to do only one thing. It's similar to language: if you use a different language every day, you lose the nuances and colors that are possible when you speak a language particularly well. And when it happens, it basically means that you're only able to employ headlines, because you're picking a new language every day. However, it's the nuances that are important to me."

Thomas Demand, em entrevista a Hans Ulrich Obrist, no livro dedicado a ele na The Conversation Series.

***

Colei as duas imagens neste post para contextualizar o trabalho de Thomas Demand, que não é muito conhecido fora do universo da arte contemporânea.

As imagens são, a rigor, as obras. Demand expõe as fotografias. São imagens feitas a partir de outras imagens, que não só já existiam, mas também tiveram alguma circulação nos meios de comunicação de massa. A janela acima, por exemplo, é feita a partir da foto de uma loja em que um garoto foi assassinado depois de ser explorado sexualmente. A imagem ao lado foi criada a partir do quarto de hotel em que Whitney Houston foi encontrada morta.

Não é por acaso ou preciosismo que digo que as imagens foram criadas a partir de outras imagens. É que elas foram mesmo. Demand reconstrói em estúdio esses espaços, em tamanho natural. Tudo em papel colorido, de diversas cores e formato. Isso mesmo: tudo que você vê na imagem é papel.

Em junho, visitei seu estúdio de Berlim com um grupo de estudos. Vi isso tudo ao vivo, o que não é comum: o trabalho de Demand é a imagem gerada. É isso que aparece na exposição. Depois da fotografia, todo o modelo é descartado. Ainda assim, ver esse modelo é fascinante. Até as dobras da toalha são feitas em papel. Para parecer tecido, Demand usa uma técnica que aprendeu na Itália, numa paróquia sem dinheiro que fazia as vestimentas de seus santos com papel.

Foram anos de pesquisa até encontrar a técnica. Não me parece que sejam anos de repetição, mas de trabalho intenso, de pesquisa séria, de aprofundamento. Por isso, destaquei o trecho durante a leitura, e decidi compartilhá-lo. Eu diria até que essa consistência não é algo que eu costume ter no meu próprio trabalho, ou que me interesse na hora de criar. Mas ao menos é alguém que vai um pouco na contramão do discurso corrente e chato que reduz a importância de artistas que não são novidadeiros.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Marina Abramović e o erro no processo criativo

"Failure is incredibly important. I put so much attention on failure, because it's so easy with artists doing the work that is repeating, repeating, repeating and you know that if you have a certain amount of success with the public, you are doing these things over and over again and that's so boring. It's really important to look into new territory, to look at things you have never done and things that you are afraid of; things you are not sure of. They are the things that really matter. If you experiment it means you have the possibility to fail and if you fail an experiment it's a really valuable experience. It's much more valuable than just the having success. I think failure is the one of the most important experiences to have as an artist. When I look to see how good an artist is, it's always important for me to see how many times they fail. It's really important that you make a great work of art and then after that you have to make at least three really shitty things."

Marina Abramović em depoimento a Hans Ulrich Obrist, no livro da The Conversation Series.

domingo, 15 de setembro de 2013

Um supermercado na Califórnia, de Allen Ginsberg

Não acho que ninguém precisa de mais uma versão em português para Um supermercado na Califórnia, de Allen Ginsberg. Há uma do Cláudio Willer, que, se a memória não falha, está no Uivo, Kaddish e outros poemas, da L&PM. Há outra, do Rodrigo Garcia Lopes. Achei uma também uma tradução aparentemente portuguesa, muito copiada por aí, sempre sem crédito. Há outras.

Mas tava mexendo com esse poema e, no processo de estudá-lo, acabei fazendo a minha própria. Ei-la:


Um supermercado na Califórnia


     O quanto que pensei em você esta noite, Walt Whitman, enquanto
eu caminhava calçada debaixo das árvores com uma dor de cabeça
olhando conscientemente para a lua cheia.
    Na minha faminta exaustão, comprando imagens, eu fui
a um supermercado de frutas de cores berrantes, sonhando com suas enumerações!
    Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras
comprando à noite! Corredores cheios de maridos! Esposas nos
abacates, bebês nos tomates! - e você, Garcia Lorca, o que
você está fazendo junto às melancias?

     Eu te vi, Walt Whitman, sem crianças, velho fuxiqueiro recluso,
fuçando nas carnes do freezer e encarando os garotos do
hortifruti.
    Ouvi você perguntando a eles: Quem matou as
costeletas? Por quanto saem as bananas? Você é meu Anjo?
    Perambulei de um lado pra outro nas pilhas brilhantes de latas
seguindo você, e sendo seguido na minha imaginação pelo segurança
da loja.
    Percorremos juntos os corredores largos em nossa
charmosa e solitária degustação de alcachofras, pegando cada acepipe
congelado, e nunca passando no caixa.

    Aonde estamos indo, Walt Whitman? As portas se fecham em
uma horas. Qual caminho a sua barba aponta nesta noite?
    (Eu toco no seu livro e sonho com uma odisseia num
supermercado e me sinto absurdo.)
    Vamos caminhar a noite toda por ruas solitárias? As
árvores juntam sombra com sombra, luzes saem das casas, vamos os dois estar
sozinhos.

    Vamos andar sonhando com a América do amor perdida
passar por carros azuis nas avenidas, retornando para nossa cabana silenciosa?
    Ah, querido pai, barba grisalha, velho e recluso professor de coragem,
que América era a sua quando Caronte parou de navegar sua balsa e
você foi para uma margem com névoas e ficou olhando o barco
desaparecer nas margens negras do Lete?

Berkeley, 1955



A seguir, a versão original:


A Supermarket in California

          What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for
I walked down the sidestreets under the trees with a headache
self-conscious looking at the full moon.
          In my hungry fatigue, and shopping for images, I went
into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!
          What peaches and what penumbras!  Whole families
shopping at night!  Aisles full of husbands!  Wives in the
avocados, babies in the tomatoes!--and you, Garcia Lorca, what
were you doing down by the watermelons?

          I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber,
poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery
boys.
          I heard you asking questions of each: Who killed the
pork chops?  What price bananas?  Are you my Angel?
          I wandered in and out of the brilliant stacks of cans
following you, and followed in my imagination by the store
detective.
          We strode down the open corridors together in our
solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen
delicacy, and never passing the cashier.

          Where are we going, Walt Whitman?  The doors close in
an hour.  Which way does your beard point tonight?
          (I touch your book and dream of our odyssey in the
supermarket and feel absurd.)
          Will we walk all night through solitary streets?  The
trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be
lonely.

          Will we stroll dreaming of the lost America of love
past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?
          Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher,
what America did you have when Charon quit poling his ferry and
you got out on a smoking bank and stood watching the boat
disappear on the black waters of Lethe?


Berkeley, 1955

sábado, 7 de setembro de 2013

Um poema sobre pintura





Taí um poema que fala sobre artes visuais, sobre Pollock, lido por Al Filreis na introdução de seu curso de poesia americana moderna e contemporânea:



"830 Fireplace Road"
John Yau

(Variations on a sentence by Jackson Pollack)
"When I am in my painting, I'm not aware of what I'm doing"
When aware of what I am in my painting, I'm not aware
When I am my painting, I'm not aware of what I am
When what, what when, what of, when in, I'm not painting my I
When painting, I am in what I'm doing, not doing what I am
When doing what I am, I'm not in my painting
When I am of my painting, I'm not aware of when, of what
Of what I'm doing, I am not aware, I'm painting
Of what, when, my, I, painting, in painting
When of, of what, in when, in what painting
Not aware, not in, not of, not doing, I'm in my I
In my am, not am in my, not of when I am, of what
Painting "what" when I am, of when I am, doing, painting.
When painting, I'm not doing. I am in my doing. I am painting.

Jackson Pollack wrote: "When I am in my painting, I'm not aware of what I'm doing. It's only after a sort of 'get acquainted' period that I see what I have been about. I have no fears about making changes, destroying the image, etc., because the painting has a life of its own."

terça-feira, 9 de julho de 2013

O filme e a novela

"Nunca se deveria comparar um filme com uma peça de teatro ou um romance. O que mais se aproxima é uma novela, cuja regra geral é conter uma só ideia que termina de ser expressa no momento em que a ação atinge seu ponto dramático culminante.
Você deve ter reparado que raramente uma novela é deixada em repouso, o que a aproxima de um filme. Essa exigência implica a necessidade de um sólido desenvolvimento de enredo e a criação de situações pungentes que decorram desse próprio enredo, devendo todas acima de tudo, ser apresentadas com habilidade visual. Isso nos leva ao suspense, que é o modo mais poderoso de prender a atenção do espectador, seja o suspense de situação, seja o que incita o espectador a se indagar: 'E agora, o que vai acontecer?'."

Alfred Hitchcock em entrevista a François Truffaut, em publicada na íntegra em Hitchcock Truffaut, que saiu aqui pela Companhia das Letras.

domingo, 7 de julho de 2013

Picolé de Limão

Acho a Bruna Beber uma baita poeta. Parece que, com a Flip, enfim ela vai ganhar um reconhecimento popular - ontem, na Folha, a coluna da Raquel Cozer contou que ela esgotou na livraria do festival. O editor, faceiro, a chamava de "nosso Leminski".

Mas tenho que confessar (pode ser coisa minha) que fico mais feliz lendo Bruna Beber que Leminski.

Enfim: saiu por esses dias o novo livro dela, Rua da Padaria. É formidável. De lá tirei este poema: 

picolé de limão

pensando rápido
a vida é desgraçada 

– o primeiro rádio 
ganhei no bicho

meu primeiro amor 
achei no lixo 

o primeiro tiro 
levei no bingo 

meu melhor amigo 
conheci na cadeia 

a primeira ambição 
um palito premiado – 

pensando lento 
que graça.  

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Crumb fala sobre música

The modern world - it’s just like with architecture - something has really gone wrong with the music. It’s partly result of electronic medias; people don’t actively participate in musical culture the way they did before. I met an old man in Paris years ago, he’s dead now, in the 1980s. He was young in the 1920s and 1930s. He said he and his wife would go out dancing five nights a week because it was in the neighborhood, it was cheap, it was social and the music was live. Imagine a culture in which this goes on every night in the neighborhood. Imagine what that is going to do with the musician. He is part of the scene; the dancers are as important to him as his instrument. I played for dancing myself. It’s very inspiring when people are dancing to your music; it inspires you to give it more rhytimic drive, you see the people moving, you become part of something, you lose your ego. All that old music has that for me, the music I like.

*


A lot of guys I know like 1950s rhythm and blues (R&B) but it’s too slick for me. All the musicians start to try to imitate the slick, professional guys after a while, so the whole thing becomes no longer interesting. Musicians became self-conscious. In the old times, before mass media, people sang, people would get together and sing just for enjoyment. They couldn’t turn on their radio or television and nowadays most people say: “I can’t sing. I dion’t have a good voice,” because all they hear is the most professionally trained singers on radio, or TV or CD or whatever. So music has become a highly professionalized thing, which to me spoils it. I would rather hear somebody that is amateurish, even crude, but still has a sincere, authentic connection. I would rather hear that than some virtuoso.

Robert Crumb, em dois trechos da entrevista conduzida por Hans Ulrich Obrist.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Moleskines bem baratos

Sim, eu uso Moleskines. Aqueles de verdade. Uso porque são bons cadernos: aguentam o tranco de andar no meu bolso sem estropiar, têm papel decente. E, acima de tudo, são mais baratos que os genéricos vagabundos que a gente vê por aqui.

Sim, baratos.


Claro que não é pra comparar com o preço dos bloquinhos de quitanda, mas com cadernos similares, sai mais em conta, sim.
Por uns anos, minha técnica para comprar Moleskines baratos não era lá essas coisas: em viagens internacionais, tinha que reservar uma parte da mala pra carregar um estoque de cadernos. Não era exatamente a saída mais fácil e, na ponta do lápis, não devia ser a mais barata, mas, por um tempo, serviu.

Faz uns meses que descobri que o Book Depository, que é uma livraria virtual que não cobra taxa de entrega pro Brasil, também vendia Moleskines. Melhor ainda: Moleskines com descontos (que variam de 20% a 35%, dependendo da época). Tem de todo tipo: de caderninhos de bolso a cadernos de aquarela A3. Tem também uns especiais, como os cadernos-envelope e as agendas de Star Wars.

É uma maravilha. Você pede e, uns 10 a 20 dias depois, começam a chegar na sua casa caixinhas e envelopes com os cadernos dentro, isso porque o Book Depository geralmente faz várias remessas pra dar conta da logística.

Ou seja: o mesmo preço de comprar em viagem (ou até menos), e sem ter que sair de casa ou carregar peso na mala.


PS: o Book Depository claramente pode ser um ótimo local para comprar livros também, mas eles não dão tantos descontos quanto outras lojas, então eventualmente a compra pode sair mais cara lá do que numa Amazon da vida.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Dois poemas de Lilian Aquino




Corte

Decidiu raspar os cabelos
ela mesma
Sua intimidade com tesouras
e objetos pontiagudos
lhe dá esse ar
louco, redemoinho.
E careca
é mais fácil sangrar.



Plástico

Não existem quadros
nas paredes da minha
casa

e são muitos os espaços
em branco
que vejo
então
em volta

no entanto
no quadrado habitado
minha família
é pintada diariamente
a óleo


***

Os dois poemas estão no livro de estreia de Lilian Aquino, Pequenos afazeres domésticos, publicado pela Patuá em 2011. A indicação foi da Jeanne Callegari, que acompanha bem mais que eu os novos poetas brasileiros.