quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Para saber mais: 1922 e Ho-ba-la-lá


Quando eu era moleque, lançaram a revista Superinteressante. Era bem mais científica do que hoje - embora fosse mais amigável que os livros escolares, a pegada pop só veio mais tarde. Lembro de ter passado horas tentando entender a Teoria da Relatividade que um pôster me prometia decifrar. Às vezes, achava que tinha conseguido, mas aí uma cãibra cerebral me levava de novo à estaca zero.

Uma das coisas que me chamava atenção na Super era uma box no final de cada matéria: Para saber mais, dizia, e vinha uma recomendação de livros que complementariam o tema. Supostamente, a matéria era tão interessante que provocaria a vontade de o leitor se aprofundar. Era só o primeiro passo.

Na minha fantasia, era assim que funcionava. Hoje, fico com a impressão de que é mais uma bibliografia consultada pra fazer a matéria. Talvez tenha sido sempre assim. Talvez nem seja assim. Vai saber...

Lembrei disso porque, por acaso, li duas reportagens que saíram em livro nos últimos tempos. 1922 - A semana que não terminou, de Marcos Augusto Gonçalves, e Ho-ba-la-lá - À procura de João Gilberto, de Marc Fischer. Acaso mesmo. 1922 acaba de sair. Ho-ba-la-lá eu levei pra praia não pra ler, mas pra dar de presente pra uma pessoa. Que não pode ir. E aí lá estava ele, dando sopa. Engatei.

A rigor, os dois livros não tem quase nada em comum. São, em vários aspectos, antagônicas. 1922 é uma reportagem clássica. É resultado de muita pesquisa, de algumas entrevistas. Tem uma nobreza: o autor e seus pesquisadores reviraram arquivos, lidaram com pó, confrontaram versões. É um esforço que aparece pro leitor. Ao menos, pra um leitor como eu, que perde em conhecimento sobre a Semana de Arte Moderna pra qualquer normalista.

Ho-ba-ba-lá surgiu como resultado de uma paixão: o alemão Marc Fischer tomou o fora de uma garota e se apaixonou por João Gilberto. Veio ao Brasil para ouvi-lo cantar Ho-ba-ba-lá. Arma uma busca maluca por um notório recluso. A investigação tem idas e vindas - e umas descobertas pelo caminho. Fischer fascina-se, a certa altura, a ideia (compartilhada por muita gente) de que João é um vampiro, e chega ao ponto de cobiçar dicas do casalzinho de Crepúsculo, que está filmando no Rio na época. O que 1922 tem de meticuloso, Fischer tem de turbulento: às vezes, sente-se lost in translation e deixa o leitor com a mesma dúvida. Azar. É obra de um apaixonado que aceita se perder, divagar e sonhar.

A comparação entre os dois livros, insisto, vem do acaso. Não quero forçar um elo entre duas obras que se conectam apenas pelo rótulo de livro-reportagem e por tratarem de temas canônicos da cultura brasileira. Mas, em mim, os dois livros criaram um efeito bom: o de querer saber mais.

Em uma reportagem sobre movimentos culturais brasileiros na Super, os dois livros poderiam constar dos boxes. Mas isso é o de menos. O que me encanta é que, de certa forma, os dois livros encerram-se com seus próprios boxes nos apêndices.

Acabei 1922 com uma vontade imensa de chafurdar na bibliografia em busca de mais informações sobre a Semana de Arte Moderna (e de ir na exposição da Tarsila no CCBB do Rio, ela que não participou da Semana, mas é modernista e antropofágica). Ho-ba-ba-lá me deu vontade de ouvir mais João imediatamente - eu estava no avião mas, por sorte, tinha dois álbuns no meu celular.

Não lembro se cheguei algum dia a ir atrás dos livros da Super. Mas agora me parece que esse é um bom critério para avaliar uma reportagem: que ela não seja autocontida, que seja instigante, que leve o leitor adiante.

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