domingo, 25 de março de 2012

Habitante Irreal, de Paulo Scott



Habitante Irreal estava na minha pilha fazia uns dois meses, coisa assim. Gosto do Scott. Bom sujeito, bom escritor. Via muita gente elogiando. Lia os comentários por alto, eu queria ler e não me contaminar. Via textos falando sobre a importância do livro, sobre o papel de tratar sobre "a causa indígena". Comecei a ter medo de achar chato. De ter uma tese política. De que Scott tivesse se perdido nesses anos todos de contato mais rarefeito.
Ainda bem que li.
Não é nada disso.
Um punhado de páginas passou voando, e eu já tava vidrado na índia Maína. Que personagem imenso. Uma noite, me peguei lendo, tomando notas e rabiscando. Saiu esse desenho aí em cima.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O gosto do cloro

O gosto do cloro, de Bastien Vivès, é uma HQ sobre natação e amor.

Como uma piscina, é silenciosa e elegante.

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Lendo, me lembrei da cena de Somewhere que já vi, sem exagero, dezenas de vezes: a da piscina do Chateau Marmont, com I'll try anything once como fundo. Não achei a cena, mas o vídeo abaixo tem alguns cortes e a música.




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Dá pra ler o comecinho de O gosto do cloro, bem como a orelha do Paulo Scott, aqui:

Escritos em verbal de ave

"Queria que um passarinho 
escolhesse minha voz
para seus cantos."

Que livro bonito - e bonito de uma forma tão ampla - é Escritos em verbal de ave, de Manoel de Barros.

domingo, 18 de março de 2012

10 razões pra odiar Pina 3D

Win Wenders e Angela Merkel na estreia do filme, no Festival de Berlim


1. É cafona. Se fosse um diretor menos aclamado no circuito cult colocando cortininha e plateia pra emoldurar um filme velho, seria execrado. Mas é Win Wenders, que parece que pode tudo.

2. Pior ainda é a bailarina miniaturizada. Ou a Pina gigante e espectral em 3D no palco. Não sei qual das duas parece mais o holograma da Princesa Leia.

3. Óbvio que as coreografias da Pina Bausch são excelentes. Óbvio. Ficariam melhor sem Wenders.

4. Wenders quer ser cerebral. Aí faz um filme racional pra falar de emoção. Tédio sem fim.

5. Toca Leãozinho.

6. Os depoimentos dos bailarinos são o fim. Pina reduzida a um livro de auto-ajuda. 

7. Não me dou bem com os filmes do Win Wenders. Não rola. Me deixa.

8. Win Wenders não deveria desperdiçar seu tempo fazendo novos filmes. Deveria passar o tempo inteiro fotogrando.

9. Hugo foi o que Pina fica tentando ser: o primeiro filme em 3D excepcional.

10. Saber que o simples fato de eu não gostar vai redundar em horas de explicação do porquê de eu não ter gostado.

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Duas coisas legais


1. Ver o túnel abandonado com imagens d'Osgêmeos em 3D. Mas isso, tou dizendo, já tinha aparecido na fotografia de Win Wenders.

2. O incauto que apresenta a Dança do Tamanduá Africano pra Pina - e em seguida ver que ela incorporou os passos numa coreografia.

Tochtli, a culpa por isso tudo que está aí e o que me impressionou no vídeo Kony 2012

Várias capas de Festa no Covil. Roubei do site do Villalobos


"Se jogam uma bomba atômica em você, os sabres não servem pra nada."

Gosto dessa frase que o Juan Pablo Villalobos escreve mais pro fim de seu Festa no Covil. De certa forma, esse romance curtinho que a Companhia das Letras lançou há umas semanas pode ser definido por ela. Porque o livro fala sobre (e é narrado por) esse menino, Tochtli, que vive isolado do mundo num cartel de narcotraficantes. Tão isolado que consegue contar quantas pessoas conhece (14). Filho de Yolcault, El Rey, não sabe exatamente por que vive isolado. Nem mesmo tem discernimento para entender o que se passa ali. É protegido. E se protege. Tipo o Mito da Caverna.

Tochtli é espertinho. Tem os sabres. Mas enfrenta uma bomba atômica, que é uma montanha de informações que ele desconhece. Ele nem sabe que vive no alto de um império de podridão etc. e tudo o mais que o narcotráfico é.

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Os últimos dias foram corridos. Queria ter lido Festa no Covil em uma sentada, mas não deu. E olha que são menos de 100 páginas com uma fonte bastante razoável.

(Já volto pro Tochtli.)

Durante a semana, também não vi o Kony, aquele que todo mundo viu e que se tornou o vídeo que se viralizou mais rápido na história da internet. Só que o vídeo tem meia hora e, desculpa, é uma colagem de imagens com muitos clichês, não consegui me empolgar na primeira tentativa.

Assim:


Vi ontem.

Minha primeira reação foi "O Banksy fez isso". E não só pelo chapa Shepard Fairey, que aparece lá pelas tantas. Mas é que o autor parece alguém que entendeu o famoso "tudo isso que está aí". Banksystyle.

Aí fiquei pensando o que fez, até agora, 82 milhões de pessoas verem esse vídeo quase por inteiro (porque o Google só conta se você se aproxima do fim).

Ou melhor: o que motivou as primeiras mil ou dez mil pessoas a verem esse vídeo quase por inteiro. Porque, a partir de algum momento, a força do hype explica o fenômeno. Mas o que leva alguém que não é mais amigo do autor a dizer: "Ei, você TEM QUE ver esse vídeo" quando esse vídeo tem meia hora, é repetitivo, é em inglês, é uma colagem caseira de imagens e que, convenhamos, não é como a Susan Boyle, que você vê rapidinho, vê de novo, chama um amigo pra ver com você e, de repente, você mesmo, sozinho, percebe que foi responsável por uns dez views.

Raiva do ditador? Vontade de participar de um evento global? Desejo de ser um super-herói por um dia? Tentativa de mandar no governo? Culpa por não saber que existia um bandidão na África? Ou, somando tudo, uma forma de tentar lidar com a culpa que se sente pelo "tudo isso que está aí"?

(Na boa: adoro a ideia de prender Kony. Contudo, é a África. Um continente inteiro que é uma tragédia. Sudão. Nigéria. Líbia. Um continente inteiro que foi colonizado. E aí um rapaz americano. Enfim.)

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Aí voltamos ao Tochtli. Que vive ao lado de um bandidão do narcotráfico mexicano. E, pelo que sabemos, o narcotráfico mexicano não é lá muito diferente de um Kony no quesito "atrocidades".

Tochtli não enxerga que seu mundo é estranho (pra nós) porque ele já nasceu imerso em todas as mentiras. Vive num mundo de fantasias, com samurais, hipopótamos anões, chapéus e palavras difíceis. Não pode sair (e aqui o poder é bem amplo). Não chega a ser muito diferente de quem tem um colar de diamantes e não sabe como a pedraria foi extraída de uma mina África.

Quer dizer: Tochtli não enxerga, mas há um subtexto que percorre o livro que indica que ele não quer ou não pode (porque não está pronto, porque tem limitações) enxergar.

Festa no Covil virou um sucesso editorial. Ganhou rapidamente edições em diversos países, e mais outros vão publicá-lo, o que não é exatamente comum para o primeiro romance de um autor latino-americano. Não é na mesma toada de Kony. Mas Festa no Covil também é um baita sucesso global.

Fiquei com a sensação de que Festa no Covil e Kony 2012 contam histórias muito parecidas sobre a tentativa de enxergar a origem do mal que está ao nosso redor.

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Chegamos a um ponto em que tudo pode gerar culpa. Porque conseguimos enxergar a origem do mal.

A moça vai ficar noiva. Dez sudaneses morreram extraindo o diamante do anel da mina.

O cara resolve deixar de andar de carro pra pegar metrô. O sistema é hidroenergético, mas a eletricidade alagou hectares e hectares de mata pra ser gerada.

O rapaz compra um celular. Um chinês se matou.

O sujeito põe molho de tomate no cachorro-quente. Um agricultor do interior de São Paulo perdeu os braços porque precisou aplicar o agrotóxico sem proteção adequada.

Kony 2012 e Festa no Covil falam sobre essa consciência extrema que surgiu com a proliferação de abaixo-assinados, campanhas, notícias... A informação circula mais. Estamos todos conectados. Se tudo faz mal ao mundo, todos fazemos mal. Temos que lidar com o fato de que somos todos parte do bando de Yolcault, do exército de Kony ou do board da fábrica de celulares. É um inferno. Isso significa que não basta combater milicianos africanos com vídeos no Youtube. Para fugir do inferno, também temos que aceitar a nossa própria nocividade.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Moebius

Moebius morreu no sábado. Foi um monstro. E foi mais que um quadrinista. Tinha refletido bastante sobre seu trabalho havia uns dias. Um jornalista havia me procurado pra falar sobre Moebius, por conta dos novos álbuns, e eu acabei saindo do eixo dos quadrinhos e indo pro eixo da produção de imagens que marcaram uma época. Foi isso que acabei tratando no texto que, a pedido do Luiz Antonio Araújo, escrevi pra Zero Hora. Saiu hoje, no Segundo Caderno.

Dá pra clicar e ler a reprodução ampliada que eu peguei do iPad. Dá pra ler a íntegra, sem edição, abaixo.

No final, conto só aqui no blog umas coisas que não couberam no jornal.


Moebius é essencial

A notícia da morte de Moebius logo cedo, na manhã de sábado, estragou o dia de muitos leitores de histórias em quadrinhos. Justo. Afinal, foi com as HQs que o artista teve uma relação mais duradoura e prestigiada. Mas sua importância transcende obras como Incal: Moebius foi antes de tudo um poderosíssimo criador de imagens e uma dos artistas mais influentes da segunda metade do século passado.


O que fez de Moebius Moebius foi uma imensa capacidade de se relacionar com o que estava acontecendo ao seu redor. A contracultura, os hippies e os eventos do mês de maio de 1968 francês ainda estavam frescos quando adotou o nome Moebius definitivamente. Lado a lado com o já conhecido faroeste Blueberry (no qual assinava seu nome de batismo, Jean Giraud, e seguiu publicando até os anos 2000), passou a produzir quadrinhos de uma forma que nunca tinham sido vista antes. Misturou ficção científica com expansão da consciência. Criou mundos imaginários que até podem estar em galáxias distantes, mas mais parecem tirados de um livro sobre o inconsciente junguiano. E deu certo: Moebius se deu muito bem com o espírito de seu tempo. Materializou em desenhos o que havia de mais contemporâneo na mente de seus leitores.

Nas páginas da revista Métal Hurlant, da qual foi cofundador, não só ele, mas também Philippe Druillet, Enki Bilal e outros autores exploravam terrenos parecidos. A publicação tornou-se um marco. Ali, Moebius influenciava boa parte da ficção científica e da fantasia que seriam criadas dali pra frente. E também cavava espaço para lançar seus livros mais importantes: Incal, O Homem É Bom? e Garagem Hermética (este, veja só, influenciou até o nome de casa noturna porto-alegrense).

A força de suas imagens logo atraiu Hollywood. Moebius fez a concepção visual de dois filmes que ajudaram a definir a ficção científica nos anos 80: Alien – O 8º Passageiro e Tron. Colaborou em mais uma dezena de longas. Foi convidado para a equipe de Blade Runner, mas recusou. Mesmo assim, a Los Angeles futurista dos replicantes foi construída a partir de seus quadrinhos. Moebius é tão onipresente no clássico de Ridley Scott quanto o tema sonoro de Vangelis.

A verdade é que a influência de Moebius na cultura mundial é imensa, mas ainda precisa ser avaliada com consistência. Olhando daqui, já parece claro que defini-lo apenas como um quadrinista que fez grandes álbuns não parece dar conta de sua produção: os indícios o colocam lado a lado com David Bowie, Kraftwerk, Rem Koolhaas e outros criadores. Eles, como Moebius, ajudaram a moldar o imaginário das décadas de 1970 a 1980.

Enfim, de volta às livrarias

O leitor brasileiro que se sentir motivado a ler a obra de Moebius a partir da notícia de sua morte pode encontrar uma parte de seus trabalhos nas livrarias. Não é tudo, mas já quebra o galho. É que, nos últimos anos, os quadrinhos europeus ganharam mais atenção do mercado editorial brasileiro. A presença de Moebius nas prateleiras é um reflexo desse fenômeno.

Talvez seu trabalho mais famoso, Incal acaba de ser publicado em um volume chamado Incal Integral (Devir, 308 p.). O roteiro é do escritor e diretor de cinema Alejandro Jodorowsky. Na história, cheia de referências ao tarô, o detetive John Difool parte em busca de um artefato chamado o Incal. Outras séries ligadas a Incal também estão em catálogo, mas sem seu desenhista original.

Além de Incal, a editora Nemo está publicando obras de Moebius. Por enquanto, saíram dois álbuns: Arzach (56 p.) e Absoluten Calfeutrail & Outras Histórias (96 p.). São antologias de histórias curtas, menos conhecidas. Mas, ao contrário do Incal, tem roteiros de Moebius. A Nemo promete publicar outros volumes da coleção destinada ao autor este ano. Entre eles, duas obras essenciais: O Homem É Bom? e A Garagem Hermética.


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E notas extras, só no blog...


Uns dois anos atrás, um amigo me falou que havia um cartunista francês mundialmente famoso morando em Pirassununga. Passaram-se uns dias até eu descobrir que o sujeito era, na verdade, Alain Voss, brasileiro que foi um grande colaborador da Métal Hurlant. Fui com entrevista marcada, mas só lá soube que ele não queria dar entrevista alguma. Conversamos a tarde toda, sobre assuntos variados. E aí ele me deu a sua versão para o afastamento de Moebius da revista.

Teria sido culpa de Jodorowsky, que, pra ele, afastou de vez Moebius da política, levando-o a um mergulho no misticismo. Outros sócios teriam se irritado com a presença constante de Jodô.

Eu, que tinha conhecido Jodô uns anos antes, e visto algumas pessoas se converterem à sua psicomagia diante de mim, não por que duvidar.

Jodô é um ator, um poeta e um sedutor. Cá entre nós, não sei se ele acredita na psicomagia enquanto magia. Mas tenho certeza de que ele acredita que funcione -- e que o mise en scène é essencial.

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Lembrei muito de Moebius numa exposição que não o cita diretamente: Postmodernism - Style and Subversion, 1970-1990, que o V&A apresentou até o começo deste ano. Moebius não estava, mas Blade Runner estava, bem como vários de seus contemporâneos. O campo do pós-modernismo (o do design, da arquitetura) me parece um bom começo pra um estudo sobre a influência Moebius. 

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Entre idas e vindas, entre noites viradas e colunas semanais, a Zero Hora foi minha casa por cinco anos. Já fazia uns cinco que não colaborava com nada. Foi bom voltar por um dia. Obrigado, Araújo, Tic, Claudia, Feix, Lari e todos os outros que eu nem sei que se envolveram.

domingo, 11 de março de 2012

Dia internacional (2)


Dia internacional do Skype.

Dia internacional do eu só queria ter você aqui ao meu lado.

Dia internacional do ar condicionado bem gelado.

Dia internacional do scanner.

Dia internacional da atriz Mila Kunis.

Dia internacional da ignorância enquanto benção.

Dia internacional do mascote paraolímpico.

Dia internacional do mascote olímpico.

Dia internacional do faça calor ou faça frio.

Dia internacional do tuiteiro progressista.

Dia internacional do blogueiro reaça.

Dia internacional da série Sopranos.

Dia internacional de começar a ler jornal pelo fim.

Dia internacional do unfollow é serventia da casa, me deixa.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dia internacional

Dia internacional do orgulho de usar bandana.

Dia internacional de ficar falando sozinho.

Dia internacional de desencanar de tudo.

Dia internacional de dormir de conchinha.

Dia internacional de beber leite numa mamadeira depois de adulto só pra tentar descobrir o que tinha de tão gostoso naquela garrafa.

Dia internacional do footing na praça central pra achar namorado.

Dia internacional de não se meter na vida do outro.

Dia internacional de estar celebrando o gerúndio.

Dia internacional de passar a tarde lendo chic-lit embaixo do edredon.

Dia internacional de não fazer nada, só pra deitar e rolar com você. Com você.

Dia internacional de esperar a chuva passar pra pedir pizza, assim o motoqueiro não fica ensopado.

Dia internacional de não brigar com o operador de telemarketing, coitado, não tem culpa.

Dia internacional do amor incondicional.

Dia internacional dos dias internacionais.

Dia internacional daquele balanço a caminho do mar.

Dia internacional do beijo respeitoso na testa.

Dia internacional do cada um é o que quer ser.

Dia internacional do é o que tem pra hoje.

domingo, 4 de março de 2012

Carey Mulligan canta

Pra quem já viu Shame, filme sobre obsessão sexual de Steve McQueen.
Ou pra quem não se importa de ouvir antes a canção de uma cena memorável.
Aí vai:



De toda essa temporada de Oscar, Shame é o filme que eu mais queria ver. Queria muito. Steve McQueen é um diretor que me pegou faz tempo. Não com Hunger (também com o ator Michael Fassbender), mas com videoarte. Me dei conta de que esse era um artista que sempre me causava o mesmo efeito: se pegava o vídeo pela metade, sentava, esperava o final e -- via inteiro depois, do começo ao fim, sem sair. Atente que: no mundo da videoarte, as montagens equivocadas normalmente favorecem que se veja apenas fragmentos de filmes mais longos. Mas McQueen me prendia nos banquinhos sem encosto das galerias e bienais. Daí que não fiquei com medo de ver Shame numa sessão da meia-noite de um dia cheio de atividades. O efeito foi o mesmo: fiquei vidrado. E, quando acabou, queria ver de novo.