sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Os Sertões (I)

Fiz algumas notas de leitura de Os Sertões, que comecei a ler há alguns dias. Estou no fim da parte 2, O Homem.

Estou lendo uma edição velha que estava aqui em casa, cheia de erros de revisão. Caso alguém queira me acompanhar, creio que a edição Ubu/Sesc seja mais digna.

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Lembro o tempo todo que meus professores de literatura sempre diziam que a gente devia pular os capítulos A Terra e O Homem e ir direto pra A Luta, que é quando Euclydes da Cunha conta sobre Canudos. Hoje, afirmo: discordo demais dessa ideia. A Terra é certamente mais duro, cheio de termos técnicos de geologia, mas tem lá sua beleza. O Homem, apesar de tudo, é maravilhoso, especialmente quando começa a falar do Antônio Conselheiro.

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Euclydes da Cunha começa o livro muito mais racista do que eu podia imaginar. Não lembro de ter tido essa discussão na escola ou de ter visto em algum lugar – mas também nunca tinha me aprofundado em Os Sertões.

A frase famosa a respeito de o sertanejo ser, antes de tudo, um forte é dita com certo espanto, porque pra ele a mestiçagem enfraqueceria a genética do homem. Ou seja: pra Euclydes da Cunha, naquele momento, o sertanejo é, APESAR e não ANTES de tudo, um forte. Apesar de ser mestiço, parece dizer o jornalista, pois, pra ele, ser mestiço é ainda pior que ser negro ou índio. É quase uma surpresa a seus olhos que um mestiço possa se virar tão bem quanto os sertanejos. Os mestiços do Sudeste, que lhe são mais familiares, parecem ser mais piores. Mesmo feios, com aparência de preguiçosos, os sertanejos são muito capazes.

Esse racismo de Euclydes da Cunha vem da ciência eugenista da época, claro. Tenho pra mim que, de certa forma, essa visão vai esmaecendo na medida em que ele depara com o sertanejo, que lhe parece de fato um tipo extraordinário. É como se todas as bobagens eugenistas não batessem com a realidade que ele encontra no sertão e, aos poucos, fosse deixando pra lá sua ciência eugenista que, a rigor, não lhe serve pra nada. Até aqui, contudo, Euclydes da Cunha não chega a perceber conscientemente que as teorias eugenistas eram uma bobagem sem tamanho. Mas, sem querer passar pano, me parece que ele escreve como se, no fundo, desconfiasse disso.

(Insisto num ponto: essa é a impressão que tenho até aqui. Mais adiante, posso revisar esse olhar.)

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Me chama muita atenção a influência de Francisco de Assis na figura e no imaginário de Antônio Conselheiro. São Francisco é, a seu modo, o molde que Antônio Maciel usa para se tornar um santo em vida. Antônio Conselheiro segue uma cartilha bem franciscana nos seus anos de formação: vive de esmolas, e só o suficiente pra sobreviver, dorme em tábuas ou no chão, faz um diálogo direto com Deus, sem intermédio da Igreja. Não por acaso, creio: Antônio, afinal de contas, é um Antônio, como o santo seguidor de Francisco. O rio que corta o sertão é o São Francisco.

Chuto, então, que Antônio Conselheiro se forjou um São Francisco, talvez não deliberadamente, mas talvez porque fosse a única forma que pudesse enxergar de ser, em vida, em pleno sertão, um homem santo.

(Para aprofundar em Francisco e poder comparar, recomendo ler Francisco de Assis, Vida de Um Homem, de Chiara Frugoni.)

Volto outra hora.


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