Acabo de ler o álbum Combate Inglório, lançado por estes dias pela pequena e simpática editora Gal. E tenho que ser franco e dizer: não gostei.
Pode ser que minha expectativa estivesse nas alturas, porque elogios dos mais respeitáveis precederam minha leitura. E porque a Gal vem geralmente lançando bons títulos (como Mundo Fantasma, que nada mais é que a versão nacional do Ghost World do Daniel Clowes, e que recomendo com entusiasmo). E porque o tradutor é o meu querido amigo Delfin - cujo trabalho parece ter sido bem competente, diga-se de passagem.
(Update em janeiro de 2018: a Ghost World agora está com a Nemo.)
Combate Inglório é a edição brasileira de Blazing Combat, álbum que reúne os quatro únicos gibis da série de mesmo nome, que foi tirada de circulação nos anos 60, acusada de ser antiamericana e subversiva. Esse material ficou fora de circulação por décadas. Portanto, tem um valor histórico assegurado. Disso ninguém duvida.
Mas os roteiros me incomodam. Não é nem pela verborragia que marca as HQs americanas da época. Disso eu não gosto, mas OK, faz parte. O problema é outro: a sequência de histórias curtas com finais chocantes é cansativa, porque no terceiro ou quarto final chocante você não se choca mais. E aí dá-lhe história de guerra com final chocante que não choca. Veja bem: tenho certeza de que, pros adolescentes americanos dos anos 60, morrendo de medo de serem convocados pro Vietnã, era incrível. Mas nessas eu caí no sono duas vezes.
Aí vem a arte. São desenhos fabulosos. É o ponto alto de Blazing Combat. Se o roteiro ficou datado, a arte é um arraso. Tem Alex Toth, John Severin, Wally Wood, Al Williamson, uns caras de quem eu realmente curto o trabalho.
Mas aí, justamente aí, vem o ponto que mais me incomodou: a Gal conseguiu a façanha de publicar um álbum menor que o original da Fantagraphics. Em vez de 20 x 25 cm, 16,5 x 24 cm. Em vez de dar espaço pra arte respirar, de tratar como livro de arte, encolheu, sufocou, matou suas histórias.
Eu já tinha visto o álbum que deu origem à versão nacional numa livraria. Folheei, achei bonitaço e deixei lá, pensando justamente que a versão nacional estava a caminho. Então comprei o livro da Gal pela internet. Quando chegou, veio a decepção. Dá vontade de voltar lá, de devolver, de acrescentar mais R$ 2,60 nos R$ 42 que paguei pra trocar pela edição americana - ou de trocar por algo mais legal mesmo.
***
Na contracapa, há uma citação do meu muso Douglas Wolk. Ele não chega a fazer um elogio direto, só diz: "Acho saudável adolescentes terem acesso a quadrinhos bem escritos e bem desenhados sobre a guerra, desde que estes passem a mensagem de que a guerra é fútil, estúpida e sem sentido".
Fui atrás da citação original: é de uma lista de dez séries de quadrinhos que deveriam ser publicadas para sempre. A editora, naturalmente, não citou a parte que diz que não é por ele, e sim pelo bem comum, que Wolk fez sua escolha.
Isso resume bem o que penso sobre Combate Inglório: deve ser uma boa HQ pros outros. Mas não é pra mim.
3 comentários:
Oi, Eduardo.
Pena que você não tenha gostado das histórias do Archie Goodwin. Mas aí, realmente, é questão de gosto, da mesma forma que muita gente não curte as histórias “clássicas” de Homem-Aranha, Quarteto Fantástico e etc criadas por Lee, Kirby e companhia nos anos 60.
Eu, particularmente, gosto bastante das histórias de Combate Inglório. Acho que são histórias universais e ultrapassam o conceito de “histórias com finais chocantes”, vão mais fundo nas mensagens e caracterizações. De qualquer forma, esse tipo de história era a marca registrada da Warren e do período nas revistas como Eerie e Creepy. Mas respeito que não sejam pra você.
Quanto à redução de formato, realmente ela foi necessária para viabilizar aqui a edição. Os preços das gráficas no Brasil continuam “abusivos”, maiores do que em boa parte do mundo. Fora que o maquinário, mesmo quando novo, segue alguns padrões ultrapassados e fazer um livro em certos formatos representa um desperdício de papel grande... e consequente aumento (mais ainda) no preço final da gráfica.
Por isso, optamos por reduzir um pouco o formato. Você cita que, em vez de 20 x 25 cm, nossa edição ficou com 16,5 x 24 cm. Verdade. Mas vale notar também que a edição da Fantagraphics tem uma moldura muito larga. Se considerarmos, na edição original, a área de mancha (o espaço ocupado pelos quadrinhos), ela tem 16 x 22,7 cm. Na nossa, a área de mancha ficou com 15,5 x 21 cm. Sinceramente, não acho que essa redução tenha feito uma diferença tão grande e, quem colocar páginas abertas das duas versões lado a lado poderá perceber isso. E se tratássemos a edição como “livro de arte”, teríamos que cobrar o valor de um livro de arte: uns 65 reais pelo álbum. Ainda acho caro para um país como o Brasil, onde a tradição são os quadrinhos como forma de entretenimento barato.
Também notemos que muitas editoras nos EUA têm optado por reduzir os formatos de suas encadernações de quadrinhos nos EUA. A Dark Horse, por exemplo, vem publicando até Sin City em formato reduzido nos últimos anos. E a Boom Comics, que vem crescendo no mercado americano, lança todas as suas encadernações de séries próprias no formato 15 x 23, em vez do original 16,9 x 25,9 com que saíram originalmente. Essa tendência da redução parece estar se tornando um padrão.
De qualquer forma, tentamos compensar os leitores do Brasil com extras que não estavam na primeira edição lançada pela Fantagraphics: um caderno colorido com a reprodução das capas do Frazetta e as biografias de todos os autores. Importante também, e isso fizemos questão de colocar, sãs as longas entrevistas com James Warren e Archie Goodwin, importantes para qualquer fã de quadrinhos entender como funcionavam (e funcionam) alguns aspectos menos gloriosos do mercado americano de quadrinhos.
Ah, sim: sobre a citação do Douglas Wolk, não acho que foi usada fora de contexto – mas não sei se é isso que você quis dizer, na verdade. De qualquer forma, a frase foi usada no material de divulgação do álbum lá fora, sim.
Pra resumir (é, eu sei, eu gosto de escrever bastante): nos orgulhamos de ter trazido Blazing Combat ao Brasil e achamos que o fizemos da melhor maneira possível para o nosso mercado. Felizmente, o livro tem vendido bem e os leitores têm apreciado o resultado. Se o álbum não chegasse aqui da forma como chegou, talvez nunca chegasse, infelizmente, e muitos brasileiros não teria a oportunidade de conhecer o material.
C’est la Guerre!
Abraços,
Maurício Muniz
Gal Editora
Maurício,
É como eu disse: talvez não seja pra mim. Simples assim. Eu estou mesmo cada vez mais implicante com as narrativas travadas das décadas passadas. Por isso, o Goodwin me incomoda.
Não quero ficar aqui dizendo como vocês devem gerir o negócio e como que devem fazer os livros. Talvez haja mesmo um planejamento editorial pra levar pra outro público. Imagino que esse pessoal que acompanha qualquer coisa sobre guerra vá pirar.
Mesmo assim, pra mim, que tenho interesse mais nos quadrinhos que na temática, a arte é o grande destaque da obra, e esse destaque é que se perde na edição. A arte é um pouco maior, as margens são grandes, mas o conjunto fica mais valorizado e bonito. Cá pra nós, eu faria as páginas ainda maiores que o volume da Fantagraphics. ;)
Do tamanho que ficaram, os próprios extras estão difíceis de ler.
Enfim, enfim. Acho que não vamos mudar, e as pessoas nem mesmo leem este blog, nem consideram minha opinião.
Quanto ao Wolk, só pra esclarecer, é só uma menção, não quero dizer que você distorceu. Não fui atrás da origem pra ver se era real ou não, só porque queria ler o texto dele -- como frila, ele publica em muitos lugares e às vezes preciso fazer esse papel de catar os textos.
Você sabe, e não é segredo pra ninguém, que eu curto o trabalho de vocês. E que, ao mesmo tempo, não gosto de alguns materiais específicos. Faz parte do jogo.
Como eu disse, foi uma pequena decepção. Mas não uma decepção gigante, não.
Abraço e obrigado,
e.
Opa!
Só pra finalizar... (ia responder antes, mas apertou tudo aqui de repente):
Cara, toda opinião é importante e de gente inteligente mais ainda. Sempre gosto de responder críticas bem construídas e explicar algumas decisões. E sei que você curte o trabalho que a Gal vem fazendo, então acho que é mais motivo ainda pra vir aqui e responder. Mesmo se você acha que ninguém vem aqui pra ler o que você diz.
Aliás, uma das coisas que mais me cansa neste mercado é o pessoal que se chama acima de críticas e fica bravo quando alguém aponta um "Olha, isto poderia ser melhor!" Assim, espero nunca dar uma dessas.
É isso. Espero que curta nosso próximo, ZUMBIS: MUNDO DOS MORTOS. Está ficando legal, acho. Mas, até aí, o editor quase sempre acha! Heheh!
Abraço,
Maurício Muniz
Gal Editora
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