Os retratos mais óbvios de São Paulo são vários. A gente tropeça neles todos os dias, e os jornais e revistas são pródigos em reproduzi-los: restaurantes de primeira, Daslu, PCC, trânsito, helicópteros, trânsito de helicópteros...
Por isso que é uma beleza encontrar Jovens na Metrópole, livro organizado pelo José Guilherme Magnani e pela Bruna Mantese de Souza e produzido pelos integrantes do Nau - o Núcleo de Antropologia Urbana da USP.
É uma compilação de etnografias feita por estudantes, uns de graduação, outros já doutorandos, sobre a vida social dos jovens por esta coisa imensa em que a gente mora.
Eles estudam daquele comportamento coletivo que já foi chamado de "tribo". Hoje, se fala muito disso na internet, dos orkuts e myspaces. Toda semana surge nova empresa que se diz especializada em criar e invadir esses espaços, uma maluquice total. Eu não tenho muita paciência pra isso, juro. Conceitualmente, é bacana, mas a prática dessas comunidades virtuais acaba sendo um tanto quanto chata, principalmente porque elas costumam dar conta de uma única faceta, nem sempre muito verdadeira, de uma vida bem mais rica.
Enfim, enfim...
Já as etnografias do livro do Nau (ainda que irregulares, aviso!) me contaram coisas incríveis, coisas que eu nem imaginava, sobre esta cidade -- e coisas que estão aqui ao lado de casa.
Moro mais ou menos perto da Santo Amaro, que é uma avenida grande, larga, que corta a Zona Sul e é afamada por sua feiúra. E, quando se fala da feiúra da Santo Amaro, as pichações vêm logo depois dos fios de luz baixos e da calçada estreita. Mas o capítulo sobre pichações do livro muda o jogo: dá vida às palavras incompreensíveis, dá sentido (e movimento) ao ilegível e o que era feio passou a ser um combate de letras. Hoje, quando passo pela Santo Amaro e vejo as pichações, essa brigalhada de palavras faz mais sentido.
Também moro perto da Vila Olímpia, bairro de baladas mauricinhas. Fui nelas socialmente duas ou três vezes, mas outro texto do livro me decifrou um código importante que eu nunca notaria sozinho: quem é bacana desce o vidro do carro pra circular na Vila Olímpia. Porque isso favorece a interação. Mas eu sabia que o posto de gasolina da Faria Lima, o grandão ao lado do McDonald's, era um, digamos, point. Mas não sabia que existia uma Máfia do Posto, clientes que têm como privilégio isenção do rigoroso rodízio do estacionamento e até passagem secreta para sair.
Outro exemplo que me encantou foi o da sorveteria Soroko, uma casa comercial simples da rua Augusta que, a pedido da clientela straight-edge / vegan, criou uma linha de sorvetes sem leite. Vou lá.
Mais um: pelo texto, o relacionamento dos b-boys (dançarinos do rap da periferia) com os streeteiros (dançarinos de rap da colônia japonesa) dava um puta filme.
Dava pra eu ficar aqui listando as descobertas que fiz por um tempão. Mas eu não daria conta de passar todo meu fascínio com o troço, que fica por conta de o leitor enxergar neste texto bobo, visivelmente encantado, de quem gostou muito do que leu.
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