quarta-feira, 4 de abril de 2012

Freud e uma dificuldade da psicanálise


Sem controle sobre seu inconsciente, Dr. Freud virou dedoche

Uma dificuldade da psicanálise é um texto curto, de umas dez páginas. Nele, Freud enumera as três rasteiras que a ciência deu no que ele chama de “narcisismo geral”, ou “amor-próprio da humanidade”.

A primeira: Copérnico prova que a Terra não é o centro do universo.

A segunda: Darwin mostra que não somos o centro da criação. (Em sua explicação, Freud diz que a humanidade criou um abismo entre ela e os animais, o que faz especial sentido quando vemos hoje em dia como lidamos com a natureza.)

A terceira: a própria psicanálise, que, ao reconhecer o inconsciente, chega dizendo que o homem não é nem mesmo senhor de si mesmo. Como se já não bastasse ter perdido o posto de ser o centro do universo e da vida...

Em dado momento, Freud cria um depoimento imaginário da psicanálise para o Eu*. É de chorar de tanta belezura. A lucidez de Freud a respeito da psicanálise que ele mesmo desenvolveu nos anos anteriores é de uma lucidez avassaladora. Simplesmente não temos controle do inconsciente, mesmo quando achamos que temos.

Separei dois trechos:

“Você superestimou sua força, ao crer que podia fazer o que quisesse com seus instintos sexuais, sem considerar minimamente as intenções deles. Então eles se rebelaram e tomaram seus próprios obscuros caminhos, a fim de escapar à repressão, e criaram seus próprios direitos, de uma maneira que você não pode aprovar. Como realizaram isso e que vias percorreram você não pode saber; apenas chegou ao seu conhecimento o resultado desse trabalho, o sintoma que você percebe como sofrimento. Você não o reconhece como derivado de seus próprios instintos rejeitados, e não sabe que ele é a satisfação que os substitui.”

Mais tarde, a psicanálise encerra sua fala:

“Volte-se para si, para as profundezas, conheça antes a si mesmo; então compreenderá por que tem de ficar doente, e conseguirá talvez não ficar doente.”

***

* O “Eu” é o que era o “ego” na tradução consagrada. A tradução de Paulo César de Souza altera a nomenclatura.

***

Aos poucos, bem aos poucos, vou lendo as obras completas do Freud que a Companhia das Letras começou a editar no ano passado, com tradução de Paulo César de Souza. Ainda estou na metade do meu primeiro volume, e o 14º da coleção. O volume abre com um caso clínico memorável, O Homem dos Lobos. Aí vai pra Além do princípio do prazer, que não me animou tanto. E aí chegou a essa dificuldade da psicanálise.

Vou devagar com a leitura. Freud me faz ter sonhos incríveis, mas muito desgastantes. Só prossigo se posso me dar ao luxo de uma manhã mais perturbada. Sugestão, inconsciente, como saber?

(Aliás, posso apostar que hoje vai ser uma noite daquelas.)

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