domingo, 4 de maio de 2008

Tchau, Tuio

Ia escrever sobre o Falsa loura, esse puta filme, filmaço, do Carlão Reichenbach. Fui ver se tinha algo no Reduto do Comodoro que se pudesse aproveitar de alguma forma: uma foto bonita, uma citação qualquer.

Tinha. Tinha a notícia da morte do Tuio Becker.

O Tuio foi meu colega na Zero Hora. Era o crítico de cinema. Convivemos pouco na redação, mas foi o suficiente pra eu ver como o baita crítico que eu já lia no jornal trabalhava. E era uma coisa bonita de se ver.

Lembro especialmente de uma sexta. Eram 11h30min, e o caderno Cultura de sábado fechava ao meio-dia. Aí entrou, por agência, a notícia da morte de um diretor europeu importante, mas relativamente obscuro. O Tuio quis homenageá-lo. Com o aval e o apoio do Eduardo Veras, a contracapa do caderno, então pronta, foi derrubada para que o tal cineasta pudesse ser enterrado dignamente. Tuio sentou-se para escrever enquanto nós, os desocupados, nos mexemos para fazer os outros procedimentos necessários, tais como achar e baixar foto do cara, pré-diagramar a página e caçar nos livros referências sobre o morto.

Uns vinte minutos depois, Tuio tinha acabado o texto, coisa grande, de uns 80 centímetros (na medida do jornal, é um texto bem grandinho). Estavam citados no artigo os maiores filmes do cara, com o devido ano de produção entre parênteses. E estava tudo certo. Conferimos com os livros, pra ver se não tinha erro. Mas não tinha. No sábado de manhã, sem saber de nada disso, os eventuais leitores encontraram um artigo precioso. E quem leu nem sabia que por trás dele estava uma baita aventura.

Também lembro de um Festival de Cinema de Gramado que cobrimos, eu, ele e o Roger, talvez a mais enxuta equipe da redação a subir para a Serra nesta década. Agora me ocorre que talvez tenha sido o último ano em que Tuio foi a Gramado pelo jornal. Não lembro.

Saímos do jornal na mesma época, em 2001, ele se aposentando, eu indo fazer as revistas da RBS.

Continuamos nos falando, principalmente em cabines e em encontros por acaso no Centro, onde eu morava e ele ia ao cinema, por uns meses. Na época, dizia:

-- Agora que me aposentei, só vejo filme bom.

Tuio foi desaparecendo na medida em que o Alzheimer tomou conta. Eu também fui sumindo. De vez em quando, vinha uma notícia sobre ele, sobre a doença, sobre a internação.

Mais comum é eu lembrar do Tuio vendo um filme. Outro dia mesmo, vi Pequenos espiões, que ele tinha achado divertidíssimo. Na época, ele recomendou:

-- Mas espera pra ver em DVD, porque a distribuidora só trouxe cópias dubladas para Porto Alegre.

É isso: o Tuio vai continuar indo ao cinema comigo. E com muita gente. Principalmente se os filmes forem bons.

*


Quando vi que o Tuio morreu, fui correndo ler a coluna da Cláudia Laitano. Eles eram muito próximos. Mesmo sabendo que o Tuio rende incontáveis textos bons, eu tive a sensação de que o melhor texto viria dela.

E eu estava certo:

"Tuio distribuiu generosamente sua cultura e seu bom humor até o último dia de trabalho no jornal, há sete anos, quando se aposentou. Formou e informou todos os que tiveram o privilégio de conviver com ele ao longo de mais de 30 anos de jornalismo."

*


Fico pensando não no que o Tuio escreveria sobre Falsa loura, mas no que ele falaria. O universo que Carlão criou é uma dádiva para o humor sarcástico que Tuio tinha nos bastidores.

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