E morreu o Bruno Tolentino, figura que conheci numa Feira do Livro ainda nos anos 90, quando eu era editor da Aplauso e ele, da Bravo! e, principalmente, da República -- em sua fase mais bonita, grandona, com fotos arrasadoras em P&B e textos realmente bacanas.
Foi um dia, digamos, peculiar, que começou pra valer quando conheci o Tolentino nos estúdios da FM Cultura, em Porto Alegre, em um programa que, salvo engano, na época era apresentado pela Mary Mezzari ao meio-dia. Era época de Feira do Livro de Porto Alegre. Ao final da tarde, iríamos participar daquelas palestras no Clube do Comércio, sobre revistas de cultura. Era eu, o Tolentino, um cara da tradicional Revista de Cultura Vozes de quem não lembro o nome e talvez mais alguém da Palavra, que ainda existia. A Cult já era editada, mas não tinha representantes, pra alegria do Tolentino. Ele odiava a Cult daqueles dias, achava desprezível, comandada por uma panelinha uspiana sórdida e puxa-saco de seus algozes declarados, os Irmãos Campos. Lembro que ele comemorou a ausência da Cult várias vezes, já a partir daquela manhã. E se declarou muito interessado por várias figuras de Porto Alegre.
Eu, claro, era moleque, achava aquilo tudo muito fascinante. Não conseguia concordar nem discordar com muito entusiasmo, o que poderia soar covarde da minha parte, mas não era o caso, definitivamente, porque o Tolentino simplesmente não dava tempo de ninguém mais falar. Ele tinha voltado ao Brasil fazia pouco, tinha dado uma entrevista desancando Caetano e os construtivistas nas páginas amarelas da Veja, um troço violento, provocador, fascinante, porque naquela época não era lá tão comum aquela turma ter uma contestação tão grandiosa e com tanta repercussão.
Voltando da rádio, o Tolentino falou que queria muito conhecer uma poeta de quem havia lido uns livros anos atrás e achava excelente, que era a Martha Medeiros. Naqueles dias, a Martha já tinha trocado a sua poesia gostosa por crônicas de muito sucesso na Zero Hora. E eu tinha recém entrevistado-a pra Aplauso, o que fez com que eu tivesse o número do telefone dela no meu celular. Liguei pra Martha que, naturalmente, demonstrou uma curiosidade em conhecê-lo. O encontro ficou marcado para o Sarau Elétrico, naquela noite, onde ela faria uma leitura como convidada, se bem me lembro.
Rolou a palestra, que seguiu no mesmo clima do programa de rádio, mas nem chegou a ter o mesmo brilho do resto do dia. Pra falar a verdade, nem lembro muito do que foi dito. Só sei que minha memória registrou como a parte mais tediosa do dia.
Saindo da Feira, fomos para um restaurante fuleiro no Bonfim e comemos algum lixo qualquer. E eis que chegamos no Ocidente, que estava lotado -- eu disse, a Martha já era muito popular, arrastava multidões e tal.
Só que o Tolentino não conhecia as idiossincrasias do Sarau Elétrico, que é cheio de normas. Na real, não há muito espaço para participações de não-convidados -- não é regra declarada, mas é tácita entre os freqüentadores mais assíduos, cabendo aos demais seguirem os ritos dos demais.
E o Tolentino pegou o microfone, sem se apresentar, e começou a ler. A ler sem parar. Foi apoteótico. Foi como ele me pareceu naquela noite. Foi como o Tolentino ficou na minha cabeça: gentil, amável, apoteótico.
E, como toda apoteose, sumiu de repente. A última de nós a vê-lo foi a Cintia Moscovich, que trocou meia dúzia de palavras com ele no dia seguinte. O poeta dizia estar duplamente doente. Tomou umas pílulas e foi embora. Em seguida, saiu da Bravo. A República acabou.
Ouvimos falar dele mais algumas vezes: um livro aqui ou acolá. E só isso.
Até hoje, quando li que ele morreu e vi fotos dele ainda mais magro, agora sem barba. Li, mas não só no jornal, de manhã. Li também no jornal de um sujeito que sentou a duas mesas da minha no Café Suplicy, que sacudia a contracapa da Ilustrada como se fosse uma bandeira.
Devia ser um poeta concreto, coitado.
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